Farra de Amor…

O banzo nem é por Pasárgada… tão linda e ensolarada!
Nem por seus mares mansos e mornos, nem pela água de coco verde bem embaixo da janela, nem pelos belos rios que a cortam em ilhas, nem pelas antigas pontes que cruzam suas águas ou os belos casarões que enfeitam suas margens…


O banzo é por eles, pelos queridos irmãos e amigos, pela bela e doce cunhada, bruxa das boas, com halo dourado sobre a cabeça e olhos amarelos como os de um gato na escuridão.
Ela foi uma das poucas a quem eu contei a troca de cartas com olhos-de-mar-azul. E naquele momento também foi a única que disse “vai dar certo, acredite, aposte, concentre nisso suas energias, não deixe a razão desviar seu coração…”
Ela é bruxa do bem.
Não a chamo de fada porque ela é feita de outro material e espírito e quem tem intimidade com bruxas e fadas sabe a diferença. Eu tenho e sei. Ela é bruxa mesmo. Das raras e muito boas. Tive sorte de tê-la por perto em momentos tão decisivos de minha vida.
Então… claro que eu acreditei nela. E nunca esqueço que cada vez que meu medo crescia e eu duvidava de mim mesma, do meu romantismo, dos meus sonhos, ela me aprumava na mesa da cozinha diante de uma xícara de café fresquinho e fumegante, um pedaço de bolo de fubá cheiroso e macio e, com voz doce mas segura e firme, tão firme que parecia saber mais, muito mais do que eu contava, dizia “eu sei que vai dar certo, confie e não disperse energia”. E parecia que qualquer dúvida se esfumava, desaparecia, perdia a força.
Pois sim…
Tenho banzo disso. Desse tipo de aconchego nordestino. Da cozinha dela com café e bolo de fubá.
Também tenho de outras cozinhas ou sofás de amigas, onde a conversa fluía lenta com tanta facilidade e sem qualquer preocupação por escolher palavras e esconder sentimentos. As expressões que em si mesmas já diziam tudo e que aqui não servem para nada. ” Vixe, eu heim! Pense numa pessoa troncha de saudade ! Tô até demente!”
Outro dia eu disse assim: « Tô querendo ir não, visse. Tô de banzo, dengosa, devagar quase parando… tô só querendo espalhar minha saudade pelos cantos da casa e escutar Lenine cantar… »
Depois vi que não havia trocado o chip e estava falando em perfeito pernambuquês e, claro, a outra pessoa não tinha entendido nada.
Nem dava pra traduzir.
Primeiro que eu nem sabia (ainda não sei ) como dizer isso em Espanhol, “Yo no estoy quierendo nada. Yo estoy…”
Desisti. Como se diz essas coisinhas da alma pernambucana em madrileño?
Deu logo vontade de chorar…
Ainda bem que falo Português com meu marido ( que chic e que estranho chamar meu prometido, meu amante, meu querido olhos-de-mar azul de marido! ) e para ele posso dizer essas besteirinhas, que não servem se forem ditas em nenhum outro idioma. E ele me responde em Espanhol, que eu também adoro e acho lindo. Não é uma maravilha isso? Nem um de nós dois precisa abdicar de seu próprio idioma, de suas expressões mais pessoais. Eu acho isso bárbaro!
Falo Espanhol com outros e me esforço em melhorar a pronúncia e o vocabulário, mas com ele falo em Português. Assim, quando ele chega no Brasil entende tudo e fala o que consegue. E já consegue muito!
Tem gente que assume tão completamente a cultura do país onde está que fala unicamente o idioma do lugar. Até os filhos educam sem ensinar o idioma de sua terra natal.
Tenho uma prima que vive nos EUA há mais de dez anos. Seu marido não sabe dizer nada em Português, exceto “obrrigaddo”. E sorri como se tivesse realizado um dos trabalhos de Hercules!
E seus filhos falam exclusivamente Inglês. Perguntei-lhe uma vez por que ela não falava com seus filhos em Português para que fossem bilíngues sem qualquer esforço e ela me respondeu que seus filhos eram A-me-ri-ca-nos e falavam perfeitamente o idioma de seu país. Aprenderiam Português se quisessem, quando fossem adultos.
Que “bourrrah” ! ( Leiam com sotaque, viu?)
Os pobres meninos quando vão ao Brasil não podem comunicar-se com seus avós, tios e primos. Dependem da mãe para tudo… e olham para o mundo como se ele – todo, inteiro – tivesse a obrigação de falar Inglês.
Desculpem os que defendem essa atitude, mas eu acho de uma burrice aterradora. Imaginem já ser bilíngue com três ou quatro anos de idade! Isso é uma maravilha para uma criança, desenvolve seu cérebro, ajuda a que ela comunique-se com sua família, abre seus horizontes. Ela não perde nada aprendendo os dois idiomas simultaneamente. Pelo contrário, só ganha!
Tá. Sei lá o que passa na cabeça desta minha prima.
Tá bom… fui venenozinha, admito. Mas fico furiosa com brasileiros que saem de seu país e parecem ter vergonha dele. Esquecem os amigos, a própria cultura, as suas raízes.
Deixa para lá… eu estava falando do meu banzo, das minhas saudades…

Não era brincadeira quando escrevi, antes de viajar, que lá em Pernambuco cada amigo é rei. Cada irmão, cada amigo e até os parentes e amigos deles, que muitas vezes nem nos conhecem bem, nos abrem suas casas e seus corações tão completamente que nos sentimos em verdadeiros palácios feitos de amor.
O carinho com que todos nos recebem, a consideração, o desejo de abraçar, tocar, acarinhar, fazer dengos é uma característica constante do nosso povo. Que delícia! Lá a gente passa o tempo todo se tocando, dando as mãos, trocando beijos…
Uma farra de abraços e beijos era tudo o que eu queria da minha Pasárgada…
E tive!
E de quebra, ( vai dizer isso em Espanhol, vai! ) também os mares morninhos, agulhas fritas com cervejas estupidamente geladas, carne de sol com feijão verde e farofa, manteiga de garrafa, bobó de camarão, escondidinho de xarque, peixe fresquinho, patolas e casquinhos de carangueijo, cuscuz e munguzá, tapioca quentinha e bolo de rolo… e mais e mais… aí, ai, meu deus!
Que farra! Tanto a de carinhos quanto a de delícias culinárias!
Que mamão docinho, que abacaxi mel, que mangas macias e saborosas, que bananas mais lindas, que melões e melancias tão suculentas…
E sorvete ( sorvete de fruta! ) de cajá? De pitanga ou graviola ou mangaba??
Alguém sabe lá o que é TER E PERDER isso tudo de uma vez?
Dá banzo ou não dá?
Desta vez os amigos fizeram uma mesa que tinha até ingá, tamarindo, pitanga, carambola, umbu, cajú, cajá, cajarana, jaca, azeitona preta… A popa, não! As frutas! Todas fresquinhas, vindas diretamente da feira de Jaboatão!
Cada uma trazia dentro do si um gosto de infância, uma lembrança da Princesa, outra do Lorde, do Janga de antigamente, da casa de Casa Forte, do sítio do Poço da Panela, dos pés descalços e sujos, das ruas de barro e mato, dos jardins perfumados por rosas e jasmins.
Um casal de amigos fez a festa do nosso casamento justamente aí, na casa deles, bem no meio do Poço da Panela. Tão pertinho do meu passado que ele estava todo alí! Meus queridos fantasmas espalhados entre samambaias, trepados nas palmeiras, rindo felizes…
Na brincadeira de jogar o buquê – que não havia – peguei um ramo florido de jasmim. Nele o cheiro inteiro da Princesa, não pensem que eu não sabia. Quando fiquei de costas e joguei a florzinha branca e cheirosa para o alto, todas as amigas tinham um ramo igual entre os dedos. Foi uma anarquia só. Todas se casarão no mesmo dia, para que eu possa ir! Gargalhamos juntas, numa alegria imensa só por isso, por gargalharmos juntas.
Dá banzo deixar esse mundo… esse rir junto aos amigos, esse dengo que eles me dão, esses abraços tão apertados no meio da rua, os beijos estalados, esse sentir a presença da própria história no ar, esse contar as coisas na língua de toda a vida!
Aí eu vim… cheguei aqui meio chorona. E tive a felicidade de ganhar um presente: fui convidada para um aniversário no Liceu de Belas Artes de Madrid, com dez brasileiras. Êbaaa!
Só conhecia pessoalmente a aniversariante, mas peguei um trem para Recoletos, caminhei por uma Madrid bela e primaveril para estar com todas elas, com muita vontade.
Adoro Madrid e sua gente. Mas desta vez foi como estar dentro de um mar morninho ou numa bela e aconchegante cozinha, tomando um café fumegante e trocando carinhos.
Só faltou o bolo de fubá.
Prometo que no próximo encontro não vai faltar.

Categorias: Memórias e Saudades | Tags: , , | 19 Comentários

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19 opiniões sobre “Farra de Amor…

  1. Nora, quanta beleza e nostalgia no seu post! Adorei cada palavra.
    Como é bom poder voltar um pouquinho ao passado e resgatar cheiros, gostos, gestos sem que eles pesem. Quando vêm assim, envoltos em tanta delicadeza, nos mostram que tudo pode ser eterno mesmo que numa fração de segundos…
    Beijos,
    Kenia

  2. adriana

    Nora, que delícia de texto…envolvente como aliás são muitos dos que já li aqui e sabe-se lá porque simplesmente ainda não havia dito isso! Curti cada palavra. Bjo muito especial

  3. Diana

    E como nao vai dar Banzo?????
    Claro que sim!
    Delicia de texto, delicia de recordaçoes e carinhos!
    Beijos

  4. Gabriela

    Oi Norinha,
    Que bom te ler de novo e em grande estilo. Gosto tanto de ler o que voce escreve. Gosto porque voce escreve bem, mas também porque me encontro nas suas palavras. E cada vez que penso nisso torço para que a gente ajude o destino e se encontre logo.
    Sobre criar filhos poliglotas, concordo totalmente. Tenho uma amiga chilena (criada na França), casada com um sul americano tb e vivendo na Inglaterra. Seus filhos falam ingles fora de casa, e em casa, espanhol com o pai e frances com a mae. Passeiam entre as linguas super tranquilamente.
    Aqui vejo umas pessoas que insistem em nao falar portugues, mesmo quando estao entre brasileiros. Enfim, eu concordo totalmente com voce e, com o meu cara metade também falo em portugues e a resposta vem na lingua que eu adoro tanto. Assim tenho a sensaçao de que cada um consegue ir exatamente ao ponto que quer, com expressoes que nao se consegue traduzir.
    Vou te mandar um e-mail esses dias.
    Beijos

  5. Querida amiga Nora, este tipo de saudade que você transforma em palavras e histórias bonitas é muito bom!
    Fico feliz que tenha gostado do nosso encontro! E olha que faltaram duas brasileiras que convidei! Também quero mais…
    Descobri este ano, talvez um pouco tarde, que também é possivel ter este aconchego no melhor lugar do mundo: o aqui e agora! Beijos

  6. Alessandra Pura

    Geralmente sou daquelas pessoas a quem se referiu um dia…Aquelas que passam em silencio pela sua pagina..mas te visitam todos os dias,,,dessa vez .n pude entrar e sair sem dizer nada..VISUALIZEI pelos “seus’olhos..a mesa farta…de amigos…..Que lindo Nora!

  7. Querida, não deixe banzo te pegar de jeito, reaja, 🙂
    eu vivi mto tempo assim, agora reajo mais.
    Que delícia de relato, me emocionou- vc sempre me emociona- eu queria uma bruxa tb, não tenho 😦
    acho que tenho uma sim, ainda é amiga recente, não conheço os seus poderes.
    Da próxima vez, estique até aqui.
    Os pernambucanos são especialmente acolhedores, jamais esquecerei.
    um bjão, Laura

  8. respondi lá no Caminhar tb 🙂

  9. Ai que delícia de viagem, querida. E como é que não ia dar banzo?!
    Um beijo grande, daqueles estalados que vc tanto gosta 🙂

  10. Oi, Nora.
    Obrigado pela visita.
    Espero que meu neto Lucas fale português. Até brinquei com amigos dizendo que no Natal ele virá ao Brasil e dirá: “oi, vô Beto!”
    Abraço fraterno,
    BetoQ.

  11. Belo relato amoroso de tua cidade e amigos. Sorri de felicidade ao ler tua descrição sobre os encontros na rua.
    Sobre a tese das crianças bilingües: as do Flavio Prada falam um português perfeito, apesar do pesado sotaque. Achei admirável e concordo contigo. É muito empobrecedor perder as raízes.
    Beijo, lindona.

  12. Hallo Nora!
    obrigada por sua gentileza!
    Adorei sei Blog com música!
    Amanhã é feriado e por ler tu-do que você já publicou por aqui!
    Bjs

  13. Ai Nora, eu gosto tanto dessas coisas que vc escreve. E entendo taaao perfeitamente. Nosso baianês, pernanbuquês, cearense, alagoano, sao especiais. E há coisas que se pode dizer, fazer e sentir nessas linguas e nao em outras. E as pessoas que falam essas linguas sao diferentes tb: francas, abertas, aconchegantes, queridas.
    Saudade grande disso tudo.
    Beijao e até daqui a pouquinho…rs

  14. Hallo Nora!
    obrigada por sua gentileza e visita!
    Agora você faz parte de um dos meus favoritos!
    Bjs!

  15. Bem-vinda, Nora! Tava com saudade dqui, visse? 🙂 Você está certiíssima: deixar os filhos sem conhecer a língua de sua terra é burrice mesmo. Suas histórias me lembraram minha última viagem a Recife e Olinda, quanto calor e gostosuras, quanto carinho das pessoas amigas. Sem falar no mar morninho – até eu já estou com banzo…
    Um beijo enorme e vamos nos ver mais agora, né?

  16. Se alguém vai muito a um país ou se passa muito tempo nele, tem obrigação de ao menos tentar se comunicar na língua local.
    Certa vez, chegando de Moçambique, telefonei para uma amiga (no Rio) e ela me telefonou em seguida, eu estranhei, como sabia que havia sido eu, se não deixara recado? Ela me disse: – minha mãe disse que era alguém com sotaque português.
    Na semana seguinte fui ao Recife, mas a passagem de volta não estava marcada. Ao chegar ao balcão da empresa para tentar marcar, falei com sotaque pernambucano, em poucos minutos, só de estar no Recife, tudo aflorou.

  17. Cacau Neves

    Banzo dá também em quem ficou sem o som macio da voz, as palavras doces mas que dizem o que quer, dos abraços, dos ilhos, itos, e qualquer sufixo que se assemelhe ao som de uma lingua tão charmosa.
    Tô troncha de saudades!!!!!!!
    Um cheiro

  18. Regina

    Querida Nora:
    Eu adoro ler o teu blo e nunca escrevi porque sou de Letras, mas nao tenho o dom para escrever. Falar? Tudo e mais.
    Li o que escrevias sobre a tua prima, que não ensina português aos seus filhos e senti uma cumplicidade ennorme… com ela.
    Sei que é um pouco difícil entender, mas às vezes queremos fechar página ou temos dificuldades de expressão. Eu a entendo perfeitamente. Para mim era muito difícil falar espanhol no trabalho e na vida social e em português com elas. Assim, não lhes ensinei o meu idioma materno. Também pensava como ela: aprenderão quando queiram.
    Elas são bilíngües (francês). Quando se interessaram,…MILAGRE! aprenderam português. A Janaína até fez vestibular (que me orgulha um montão) de português como idioma estrangeiro. É verdade que falam com sotaque espanhol, mas eu também, depois de 22 anos, tasmbém o tenho.
    Não sei se fiz bem ou mal. Fiz o que achei conveniente. Algumas vezes me arrependo, outras não.
    Também é uma maneira da tua prima de sentir-se especial e imprescindível.
    Bjkas
    Regina

  19. Eu penso muito nisso, porque acho que meu filho vai nascer em outro país. Quero falar português com ele, esteja onde estiver. Mas já descobri que não é fácil, que na hora da briga, do cansaço eles querem falar o idioma mais fácil, sempre é o do país que moram. Vou descobrir quando tiver um. 😉
    Que vontade de comer bolo de fubá conversando com essa bruxa do bem…

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