Quarta-feira, Abril 23, 2003
MADRID (1)
Há tanto o que falar sobre esta linda cidade, que vou fazê-lo por partes…
Em pequenas doses, que é a melhor forma de desfrutar de alguma coisa boa.
E vou começar pelo primeiro impacto, 4 meses atrás.
A RUA, A GENTE…
Madrid me recebeu em dezembro, com o frio que eu estava desejando…5 graus!
Esse era apenas um dos prazeres imaginados em Recife. Poder sentir o vento gelado no rosto, e andar por horas pelas ruas sem suar, sem desejar uma sombra, pelo amor de Deus!
O outro era poder caminhar pelas ruas sem sobresaltos, sem achar que cada transeunte que cruzava a rua em minha direçao era um perigo iminente… e isso foi difícil de conseguir, à princípio.
Reflexo condicionado.
Meu coraçao batia descompassado a cada vez que numa rua , por desventura deserta, cruzava com um ser, coberto por um casaco negro, o rosto mal aparecendo sob um cachecol de lã um gorro enfiado na cabeça… passos apressados… ombros curvados para a frente.
Pronto! Um segundo de pânico sem controle, resultado de anos de cuidados para não ser assaltada em minha cidade e depois, um suspiro de puro alívio quando ele sequer notava que eu existia… Uff!
Depois desse descondicionamento emocional e várias descargas de adrenalina no corpo, pude levantar a cabeça e me deslumbrar com a arquitetura de seus edifícios, suas praças, seus recantos…
O único efeito colateral desse banho de beleza foi a dor no pescoço que senti ao voltar para casa. Mas valeu a pena… se valeu!
Não é que não haja violência aquí. É claro que numa cidade como Madrid há violência, mas não nos níveis a que estamos ” acostumados”.
Na Puerta del Sol há bandos de ladrões, a maioria de imigrantes ilegais, que batem carteira dos turistas. Ciganas que fingem ler as mãos dos incautos, enquanto sua parceira remexe toda a sua bolsa e leva o que tiver dentro. Coisas do século passado, mas muito passado mesmo, em nosso país…
Entretanto, na maioria dos lugares por onde andei, há senhores e senhoras solitariamente lendo seus livros ou tomando um solzinho frio num banco de praça, às 11 da manhã. Casais caminhando vagarosamente na Plaza de Espanha, às 11 da noite… ou uma mãe com seu bebê, embrulhado como um bombom, num carrinho que mais parece uma nave espacial, com abóbada de plástico transparente para protegê-lo ( apenas do frio) caminhando por uma rua absolutamente vazia, com calma e sem medo.
E isso é como um presente para meu coração amedrontado… uma esperança.
É possível que um dia nosso país volte a ser dos cidadãos…
OS COSTUMES
Bueno… voltando as impressões de Madrid.
A cidade estava enfeitada para as festas de fim de ano. Luzes por toda a Gran Via, vitrines prateadas… e quase nenhuma árvore de Natal.
A Espanha não tem essa tradição. Aquí as pessoas montam “El Belém” ou ” El Nascimiento”( Nosso Presépio).
E por toda parte lojas ou ambulantes vendiam musgos, areia, cascas de árvore, grutas de madeira e feno, estrelas de Belém e figuras que representam o nascimento de Jesus. A Sagrada Família, os reis magos, os animais, os pastores, pontes, etc. Para todos os poderes aquisitivos.
As pessoas se fantasiavam com perucas coloridas e máscaras. Parecia uma prévia de carnaval. E no carnaval, nada!
Homens, mulheres e crianças, de todas as idades, passeavam pelas ruas próximas à Plaza Mayor, com caras de bruxas, de palhaços ou de princesas.
Sob algumas das nove portas que ligam a praça à cidade, grupos de músicos tocavam seus instrumentos enquanto os passantes jogavam- lhes moedas.
Mas o que davam às pessoas em troca não tinha preço. Impregnavam o ar de alegria. Dava uma vontade de ser feliz para sempre! E sêde…
Mas TODOS os bares estavam cheios. Não havia lugar para um mosquito!
E aí está a mágica… por cinco minutos a gente pensa que nunca vai poder entrar num lugar para descansar e tomar um café ou uma cerveja.
Engano! Os espanhóis nunca ficam no mesmo lugar. Eles tomam uma cerveja num bar, pagam e vão tomar a segunda noutro bar, na mesma rua, ás vezes… É muito engraçado esse costume.
Talvez por isso, em cada rua, há bares de tapas, cafés, pubs, para todos os gostos e de todos os tamanhos. Sempre há poucas mesas mas o balcão é enorme e o mais procurado pelos clientes. Pedem um drink e ganham uma tapa.
Sabem o que é uma tapa?
Nada de violência, meus queridos… é só um petisco qualquer. Pode ser uma fatia de pão com tomate e presunto crú ou um pratinho de azeitonas ou de mariscos ou batatas bravas…ou… ou….
A variedade é infinita… e DELICIOSA!
Acho que é por isso que saem de bar em bar. Só pagam a bebida e comem de graça. Hahahaha….
O fluxo de entrada e saída é enorme. E graças a Deus pude me encarapitar num banco alto, tomar uma caña gelada e ganhar minha tapa ,duas ou tres vezes, em distintos lugares. A gente aprende rápido! Então comparei com nosso costume de ir para um lugar e ficar por lá, a noite inteira…Aqui o lugar é Madrid, a noite inteira. Cada cantinho uma surpresa agradável, aos olhos ou ao paladar…E a gente volta cansada e gelada, mas infinitamente encantada com a vida!
CENTRO DE MADRID
MOTIVOS DA DOR NO PESCOÇO
MATAR A SEDE E GANHAR UMA TAPA
postado por: NORA BORGES 3:50 PM
Quinta-feira, Abril 24, 2003
MADRID (2)
Há pessoas que têm uma capacidade fantástica para ganhar dinheiro com simplicidade.
Uma das mais impressionantes que já vi foi Mark Rothko, pintor contemporâneo, americano de origen russa, que tem um dos seus quadros ocupando, sozinho, uma parede imensa do Museu Thyssen – Bornemisza, em Madrid.
Chama-se “Verde sobre Morado”, título em Espanhol, é claro.
Consiste em uma tela de mais de dois metros, pintada de lilás escuro, e no centro, um retângulo verde. Pronto . É isso.
Arte? Deve ser, mas eu não vejo…
Acho que a arte desse sujeito está em conseguir vender isso para um museu da classe de um Thyssen, onde podemos apreciar obras realmente virtuosas de El Greco, Ribera, Van Gogh, Monet, Sisley, Gauguin, entre outros…muitos outros. O museu é maravilhoso. Três andares de obras famosas ou não, desde o século XIII até os nossos tempos.
Então voces podem perguntar, por que estou falando no tal Rothko?
Pois é… por quê?
Acho que fico pensando no que eu não entendo… e então busco respostas. Fui buscá-las.
Dizem os livros que sua obra é ” expressionismo abstrato”. E que é para” contemplação e reflexão e não para percepção”…
Hum…
Ainda não entendi…
Então o artista diz que pinta grandes telas com a intenção de envolver o espectador na sua obra…
Hum…
Que obra?
Minha teoria é que o desejo de pintar era maior que a falta de inspiração… hahaha… Mas quem sou eu para teorizar sobre arte ou sobre o valor da arte…
Deve ter gente que entende e então gosta… e compra. Senão Rothko não teria sua obra e seu nome guardados no museu e nos livros de arte contemporânea.
Va lá…
A verdade é que ele era um pintor expressionista até meados de 1939, quando resolveu fundar um clube de expressionismo abstrato. E não sei se posso fazer uma associação entre a sua mudança e a II Guerra Mundial. Quem sabe um certo vazio tenha se instalado durante a guerra… e quem sabe depois, um “esfriamento” interior de se saber americano e russo, ao mesmo tempo…
Teorias… simples teorias…
Os livros dizem que durante a guerra o americano começou a acreditar em si mesmo e valorizar a sua própria arte e, de repente, não existia outra coisa que a arte americana.
Um excesso nacionalista( e quando não foi assim?) Até que os surrealistas e impressionistas europeus, fugidos da guerra e abraçados pela Big Apple, criaram o maior rebuliço na cidade e no desejo americano de ter sua arte reconhecida internacionalmente…
E por aí vai…
Dizem os críticos que suas “superposições de cores, liberadas de todo grafismo buscam atmosferas de elevada espiritualidade” e que seus quadros exigem do espectador um “esforço de contemplação”…
Isso eu entendi… que esforço!
Mas não senti nenhuma aura de espiritualidade no “verde sobre morado”…
Vou ter que me esforçar mais… Vaya!
Não posso deixar de admirar a arte que este povo tem de vender bem tudo o que fabrica, seja o que for….
Desde hamburguers de plástico até uma tela como esta.
São os melhores vendedores do mundo…tenho que admitir.
Só não sei ainda por que o artista se suicidou em 1970.
Célebre e…provavelmente rico.
E a espiritualidade???
………………….
Não posso enviar as imagens do quadro, sem infrigir as leis do museu, mas posso indicar uma forma de vê-lo
http://www.museothyssen.org
Podem clicar em colecciones e escolher o nome do autor ou o nome do quadro. Depois é só clicar sobre o mesmo, que ele aparece amplificado.
Mark Rothko ou ” Verde sobre Morado ” ( só para ilustrar meu comentário)
Mas, para quem tem mais tempo e mais curiosidade… sugiro
Monet , ” El puente de Charing Cross a la altura del Parlamento”
Ribera, “La Piedad”
Caravaggio, “Santa Catalina.”
Há um visita virtual por todas as salas do museu, mas isso é para quem pode ficar mais de uma hora conectado.
Quem puder, faça. Vale a pena.
Sobre o Prado… Ah! meu Deus… tem que ser outro dia…. já estou escrevendo. Aguardem.
Outro quadro do Rothko
E um de Monet
postado por: NORA BORGES 2:53 PM
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