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Eu Pelo Avesso…

Tomando um café no terraço e lendo Obras em Prosa de Fernando Pessoa, separei esse texto:
“Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteí­sta se sente árvore (?) e até a flor, eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada (?), por uma suma de não-eus sintetizado num eu postiço.”
………………………………….
Em meu quarto de espelhos, figuras que não são eu me mostram eus que não reconheço, mas que existem.
E então “apanho do chão dos meus propósitos a energia suficiente” para agir como não-sou, e perco-me entre vassouras, baldes e ferro de engomar!
Doméstica é um desses não-eus que insistem em espelhar-se de vez em quando, por mais que eu tente não vê-lo.

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Pensava Que Latejar Era Ser Uma Pessoa…

Frase de Clarice Lispector, no livro A Paixão Segundo GH
Quando me joguei para fora do teatro, nem palco, nem coxias. Queria a realidade da rua, queria um parque, uma praia. Queria respirar ar puro…
E queria uma explicação. Por quê?
O sentimento de menosvalia era profundo. Saí­a para caminhar pelas calçadas com duas sensações: liberdade e medo. Uma liberdade doce, de ser dona do meu destino… E um medo sem nome, entranhado no osso. Que incompetência para escolher! Como fui capaz?
Perdi a confiança em mim.
As pessoas me perguntavam por que saí do casamento­. Minha pergunta era outra: como foi que eu entrei?
Uns dias depois vi, na vitrina de uma livraria, a resposta. Um tí­tulo, que parecia de neon azul, vibrava por trás do cristal:
“Mulheres Inteligentes, Escolhas Insensatas.” Entrei em transe, e mesmo sem dinheiro, saquei o cartão e comprei sem perguntar o preço. Salvava, com esse ato, meu orgulho, minha auto estima. Sorria e pensava: “Escolhi mal, mas sou uma mulher inteligente.” Caminhei saltitando pelo meio da rua.
Tóin! Ufff…

Que dor descobrir que eu era pior do que pensava!
O livro era uma m*, escrito para ganhar dinheiro com as fraquezas alheias.
Ter comprado a bosta do livro foi a confirmação de que eu não podia mesmo confiar na bosta do meu discernimento, e afundei de novo na bosta da dor, como nunca na bosta da minha vida…
Burra! Burra! Burra!
Mas, com o tempo, as dores adormecem…
E meio adormecida, numa noite do Poço da Panela – para onde eu havia voltado – encontrei num livro de Clarice Lispector, o seguinte texto:
“Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi.E voltei a ser uma pessoa que nunca fui.
Voltei a ter o que nunca tive: apenas duas pernas.
Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar, mas a ausência da terceira me faz falta e me assusta. Era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.
Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? “
“É difí­cil perder-se…”
…”Foi como adulta então que eu tive medo e criei a terceira perna? Mas como adulta terei a coragem infantil de me perder? “
“Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer com o que é achado.”
“As duas pernas que andam, sem mais a terceira que prende…
E não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir…”
“Mas enquanto estava presa, estava contente?
Ou havia, e havia, aquela coisa sonsa e inquieta em minha feliz rotina de prisioneira? Ou havia, e havia, aquela coisa latejando, a que eu estava tão habituada que pensava que latejar era ser uma pessoa?”
…”essa coisa sobrenatural que é viver. O viver que eu havia domesticado para torná-lo familiar.”
“Eu me pergunto: se eu olhar a escuridão com uma lente, verei mais que a escuridão? A lente não devassa a escuridão, apenas a revela, ainda mais. ”
Ah! Clarice. Obrigada. Isso é que é escrever!!
Olhei minhas duas pernas, meus 30 anos, empinei o nariz, endireitei os ombros….
E…tropecei mil vezes nas duas enormes e compridas pernas desconhecidas, mas sobrevivi.
Nunca mais caí­ nos contos de neon azul, que hoje fazem a festa dos editores, das farmácias e dos supermercados.
Mesmo que eu esteja em pleno surto de idiotice… sigo andando.
*Marlene Dietrich

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Nossa Vida Não Tinha Dentro, Éramos Fora… e Outros…

Essa é uma frase de Fernando Pessoa. Está no texto ” Na Floresta do Alheamento.”
A primeira vez que a li, eu tinha 30 anos e não pude mais tirá-la da cabeça. Ela foi tomando meu espaço interior, se expandindo e desvendando os véus que embaçavam a percepção do que era a minha vida, do que era a nossa vida.
“Nossa de que dois?” Perguntava Pessoa. E descobri que o único nosso na vida que levávamos era um filho. O resto nunca chegou a ser nossoComecei a olhar para tudo como se estivesse dentro e fora dali. Dois estranhos que dividiam um espaço fí­sico, como atores num cenário. Por trás das cortinas, nenhum palco azul. Nas coxias, um vazio, um oco. Um silêncio. Uma falta constante, eu nem sabia de que.
Quando estávamos sem os outros que nos rodeavam, não estávamos juntos. Vivíamos numa falsa harmonia. Tentei por um ano ainda construir um nós, mas foi impossí­vel. Ninguém constrói isso sozinho. A solidão a dois era muito maior que o estar comigo mesma.
A solidão é fera… a solidão devora“… canta Alceu.
Resolvi que tinha que salvar-me. Tinha que ir embora. E então me disseram que ficasse, que um casamento é assim mesmo, que pensasse nela, que pensasse na “pobre menina”.
Pensei…
Como ensinar a uma mulher o que é ser uma mulher sem ser uma? Como ensinar a verdade e a confiança, vivendo uma mentira? Como ensinar alguém a ser feliz quem não era? Como abandonar o direito de ser inteira ? Como abrir mão de saciar um corpo e um coração cheio de ânsias?
Fazer a mala não foi tão fácil. Poucas coisas cabiam nelas.
Depois descobri que vivia melhor sem muitas das coisas que pensava que eram muito importantes. E só hoje sei que quanto menos coisas levamos, mais levemente nos movemos…
Saí­ do cenário para viver uma vida real. Nem sempre doce e feliz, mas uma vida com um futuro.
Eu tinha um destino a construir.
Sabia que havia algo especial que ainda iria viver…

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Perguntas…


Lendo Clarice Lispector, sob o efeito do enorme calor que me tira as forças…

“…ao homem lhe parece que há começo só quando adquire conhecimento através de sua torpe mirada. Ao mesmo tempo -aparente contradição – eu já comecei muitas vezes…”
A vida só começa quando se toma consciência de que se vive?
Há vida quando se pulsa ignorante de si mesmo?
Quando há morte?
Creio já ter morrido algumas vezes…

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