Posts Marcados Com: história de amor

Carta de Amor…

Hoje eu queria te dar mil beijos, satisfazer teus desejos, te mostrar que sou teu par.
Hoje eu queria te fazer bem pela vida afora…
Te dar O Amor nos Tempos do Cólera para lermos juntos, um dia, na rede do invernadeiro.
Queria te contar mil estórias.
Te fazer rir até a boca doer. Até você se jogar num chão de areia branquinha e ficar soluçando de riso desperdiçado, espalhado, expandido, os braços abertos, a cabeça em meu colo até dormir de cansado…
Queria te fazer contente, como em dia de aniversário ou dia dos namorados, ou dos natais da infância.
Te dar meus sorrisos cheio de covinhas, meu colo macio, meu alento.
Queria te dar, numa cesta de vime, mil presentes: um adágio de Bach, duas estrelas cadentes, um prato de camarões vermelhos lá do bar da velha Beata, perto daquele rio…
Um por do sol rosado, incandescente, por trás das casuarinas. Daqueles bem demorados, por causa dos dias tristes…
O melhor banho de chuva do mundo, na Estrada Real do Poço, pulando com os dois pés na maior poça da rua, nos dois molhados até os ossos. Gargalhando… gargalhando…
Um abraço no meu Baobá, que só eu sei que é meu… e onde está.
Uma taça de vinho tinto, para esquentar o coração.
Ingressos para o festival de ópera de Verona, com estadia em Veneza… tudo grátis… tudo grátis!
Um sorvete de casquinha, o sabor você escolhe: cajá, pinha, pitanga?
Um algodão doce crequento, daquele antigo, feito em bacia. Parece nuvem…parece nuvem!
Limpar-nos os rostos a beijos doces.Tão doces!
Um Aleph, no décimo nono degrau de alguma escada, porque o J.L.Borges disse que se vê toda a vida e tudo em um mísero e rápido olhar…
Uma lua nascendo enorme, para você agradecer à vida.

Um búzio grande e rosado para voce ouvir o mar, qualquer mar que recorde…chuam!chuam!
Um caleidoscópio de lata, que faz txim..txim quando você o gira e vê mil formas coloridas. E voce ri como doido. E descobre como é bom rir como doido.
Toda a alegria que couber em você e o que derramar, você distribui por aí.
Uma caixinha de biscoitos da sorte. Cada um com uma mensagem de boa ventura. E se sentarmos para comer tudo de uma vez, teremos toda a sorte da vida num só dia…
Uma fogueirinha com todas as mágoas e maldades que a vida tenha deixado em você. E com a fumaça, o esquecimento. Assim faziam os índios, não?
Duas lembranças gostosas por dia, daquelas que fazem a gente ficar com o olhar fixo e perdido, um meio sorriso nos lábios e …depois um longo e ruidoso suspiro.
Uma lata grande de paz, mas só abra de vez em quando. Na natureza profunda, muita paz é como a morte. É preciso alguma forma de sofrimento, alguma dor de saudade para gente saber vale a pena estar vivo…” Mesmo uma pedra é uma dança de elétrons.” li em algum lugar. Nunca esqueci.
Então… ponho um vidro grande de lágrimas quentes, para o caso de precisar…
É preciso que dance sua música…e às vezes ela pode ser triste.
Mas também ponho uma cartola com o fundo falso e lenços coloridos, para voce fingir de Mandrake…palmas!palmas!
E um papagaio que fale mil e uma sacanagens, para voce embolar de rir, mesmo já sabendo delas todas.
Também tem uma caixinha com vários tipos de silêncios, para você escolher aquele que mais precise…
Ah! e dez noites seguidas de sono perfeito. E quantas quiser de amor bem feito…
Uma cortina de longos e castanhos cabelos, para vestir seu corpo de arrepios. Um par de olhos molhados, pedintes, entregues. Uma boca de lábios sedentos…e mil beijos de borboleta.
Um sonho bom como se fosse verdade.
Uma verdade que parece um sonho.
Um mar com um arco-iris…
E todo o amor da mulher que voce escolheu para amar.

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A Caixa…

Entrei na agencia dos correios do bairro com a caixa na mão. Era uma dessas agencias minúsculas, cujo horário está condicionado a que passe a furgoneta que coleta a correspondência para levar à principal, ainda a tempo de ser enviada naquele mesmo dia. Era imprescindí­vel para mim enviá-la naquele dia, ao que somando mais dez, seria aberta na data desejada.
A caixa havia sido preparada com todo cuidado. Um ritual na escolha de cada componente do quebra-cabeças. Na verdade, não queria que fosse um quebra-cabeças, mas tinha uma seqüencia a ser seguida.
Faltavam poucos minutos para encerrar o horário de expedição dos Correios quando cheguei ao balcão, depois de esperar com impaciência a minha vez. Nunca sou muito tolerante com as esperas em filas. E menos naquele dia.
O homem que me atendeu deu-me um formulário para preencher, onde eu tinha que descrever o conteúdo e o valor de cada objeto. Preenchi. Ele leu. Olhou-me com cara de curioso. Disse-me que eu tinha que abri-la. Perguntei por que. Por causa da faca, ele disse. Não é uma faca, é um abre-cartas, contestei. Tem que abrir, não sei se ela pode entrar no paí­s. Existe um código, insistiu.
A furgoneta chegou. Não quis discutir. Abri.
Dentro havia um pacote embrulhado em papel de seda azul. Desfiz o embrulho e ele ficou olhando os objetos, devidamente numerados, com uma cara engraçada.
1.Uma garrafinha miniatura com uma mensagem dentro.
2.Um pergaminho com um antigo mapa do Brasil.
3.Um búzio do mar.
4.Um abre-cartas de metal trabalhado.
5.Uma carta.
6.Um CD com a foto de uma bússola como capa, gravado com as minhas músicas prediletas, chamado “Carta de Navegação”
7.Um livro de Garcia Lorca. “Poemas de Amor Obscuro”


Ele ficou ali, olhando para aquele monte de coisas, como querendo entender, saber mais, até que notou a fila atrás de mim. Chamou uma ajudante para a fila, pegou o abre-cartas e foi falar com a gerente. Voltou com um sorriso largo dizendo que se fosse para os EUA não podia, mas para a Espanha sim.
Disse-lhe que aquilo tinha que ir AGORA!
Ele chamou o sujeito da furgoneta ao lado pedindo-lhe para esperar uns minutinhos. E sorridente, ignorando o resto da agencia, tomou-se de cuidados com meu pacote. Ajudou-me a embrulhar tudo outra vez. Foi buscar uma caixa mais bonita e papel para preencher os espaços e manter o conteúdo mais protegido. Depois disse, com cara de cúmplice: Ele vai gostar.
Agradeci pela ajuda e saí­ rindo do posto de correio, pensando que só faltara me pedir para voltar lá e contar a ele a reação do dono da caixa.

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Dois Anos Depois…( Cap11)

Muitos leitores desta página dividiram comigo as ânsias, sofrimentos e prazeres de uma história de amor que demorou aaaaanos para se concretizar.
Da primeira troca de olhares – em 1995 – até minha chegada à Espanha – em 2002 -muitos sonhos, muitas dores, muitos encontros e desencontros se passaram.
Neste mês comemoramos dois anos de convivência amorosa e feliz, com dois presentes.
O primeiro é que exatamente hoje, no primeiro dia de dezembro, formamos um “casal de fato.” Temos um documento que reza oficialmente: somos “una pareja de hecho”.

Champanha na geladeira! Tin.tin!
Mais uma vez o sol, que ontem brilhava dourado sobre os campos frios e cobertos de folhas, decidiu guardar os raios e deixar que a chuva e o vento cobrissem o meu monte.
Normal. Não é a primeira vez que chove sobre meu telhado em meus dias especiais e particulares.
Agora com todo direito que lhe cabe. O outono anda pelos últimos suspiros… até que no dia 21, chegue oficialmente o inverno.
Apesar de estarmos dispostos a viver juntos todas as estações, este ano vamos roubar um pedacinho do verão nordestino… e este é o segundo presente.
Estamos com data marcada para uma viagem ao Brasil. No dia 20 deste mês vamos comemorar com os amigos de Recife, além das festas de final de ano, o feliz resultado de nosso encontro.
Para marcar o dia de hoje e dividir minha alegria também com meus amigos do blog, publico um lindo poema de um bom poeta pernambucano, que diz exatamente o que eu venho dizendo a Olhos-de-Mar-Azul nesses dois anos juntos.
………………………

Dulcí­ssimo senhor, dono de meus amores,
escrevo esse poema docemente
assim como quem dorme, assim dormente,
a construir segredos sobre as flores
Traduzo deste sonho seu enredo
que se não sonho durmo, e o sono é nulo
pagando como um morto seu pecúlio
de ser fiel ao chão e amar seu medo
Mas gosto de viver, desde dezembro,
teu nome, tão mais forte do que chamo
incrivelmente puro, agudo acento,
Criando sobre o tudo o nada atento,
e o sonho é pouco menos do que amo
se estás ao meu redor enquanto lembro.

Waydson de Barros Leal
*foto de Margarida Delgado Casal

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Para Viver Todas As Estações…( 10· Cap )

Assim foi…
Durante os maravilhosos dias de um verão espanhol, com uma mala desaparecida e sem ter o que vestir, um cabelo cor de mercuriocromo fashion e a pele coçando loucamente pelo clima seco de Madri, eu sabia que era dentro daqueles olhos que eu queria estar pelo resto dos meus dias.
Só não sabia se havia conseguido convencer o dono deles que eu era um pouquinho melhor do que ele estava vendo…
A pergunta era: “E agora?”
E desta vez eu tinha que fazê-la.
Ensaiei mil vezes diante do espelho do banheiro, em tons diversos: casual, direto e firme, doce, sexy. Cabelo preso, cabelo solto. ( Miséria de cabelo!!!) Rindo ou séria.
E onde? E quando? Na hora da cama? Da mesa? Do banho? Em Salamanca? Toledo, Ávila, Segóvia? Enquanto eu treinava, o tempo passava. E dos trinta e quatro dias eu gastei mais de vinte treinando. E algumas noites também.
Levantava da cama e ia fumar um cigarro no sofá da sala prometendo a mim mesma perguntar-lhe no dia seguinte, à primeira hora…
Era uma mulher ou um prato de papa?
Coragem mulher!!!
Papa… Eu era um prato de papa.
Passava horas confabulando comigo mesma e pensando que homens e mulheres têm ritmos distintos, formas diferentes de encarar a vida. Homens usam as palavras com economia, pensam que a gente já sabe o que eles sentem, só porque nos abraçam com paixão.
E pensava também que nós mulheres gostamos de es-cla-re-cer tudo com explicações, em longas conversas. Queremos controlar passado, presente e futuro. Queremos entrar na mente do sujeito e descobrir cada detalhe de seus pensamentos.
Eu tinha que mudar isso. Tinha que ser prática. Tinha que esquecer por alguns minutos que estava irremediavelmente apaixonada, com surtos de adolescente do século XVIII, imaginando que a criatura iria se ajoelhar aos meus pés e pedir minha mão em casamento.
– Não… não…nãoooo… era um mulher madura, separada, vivida e sofrida, independente (exceto para matar baratas!) e livre. Se tudo aquilo não fosse adiante, teria valido cada segundo. Muito mais do que qualquer outra história que tinha vivido antes.
Mas custava perguntar? Era só para saber o que faria do resto dos meus dias…
Se tudo aquilo que viví­amos iria se transformar num mundo de lembranças para guardar no baú das saudades…
Onde estava o meu lado “prático”? Perdido na mala?
Um dia ela saiu. A pergunta. Saiu sozinha, escapou da boca pulando pela sala, nem sei com que tom:
– E agora?
– Que?
– E agora nós dois?
– Que?
Engasguei. Uuui que medo! Lá vai…
– Que faremos agora com nós dois? Perguntei com uma voz que nem parecia minha.
– Vamos viver juntos, quando você puder vir. Eu agora não posso ir. Ele disse.
– Viver-viver? Juntos? Eu miei.
– Sim.
– Quando?
– Quando você quiser. Ele disse rindo. Sim, com aquele sorriso!
– Sim? (De onde eu tirei essa voz idiota?)
Tun-tun-tun… taquicardia!
Eu já derretendo por dentro, fogos de artifí­cio explodindo dentro do umbigo.
– Sim, vai ter coragem? Ele, sério.
– Vou.
Sim.. sim… sim!
Eu não sou um prato de papa! Pensei, surtando de novo e com um sorriso idiota, de filme idiota, de comédia idiota americana, pregado na cara de idiota.
– Venho no final do ano. Eu disse. Minha voz de verdade voltando. Firme e forte.
Sem joelhos, sem pulmões, sem estômago… tomada por uma onda explosiva de alegria absoluta. Mas firme e segura. E só aí­ me dei conta das muitas vezes em que ele me mostrava um lugar, uma cidade, um museu e dizia que quando eu voltasse, terí­amos mais tempo para tudo. Eu estava tão dentro de meu medo que não escutava como um projeto de viver juntos, e sim como leve alusão a voltar a ver-nos, quando desse e se desse.
Dali por diante os dias foram leves, cheios de planos . Esqueci os cabelos, as roupas, a pele irritada e seca. Esqueci tudo o que teria que deixar para começar uma vida nova em outro paí­s: famí­lia, amigos, casa e trabalho. E fui ser feliz pelos dias a fora.
Cantava por dentro as canções de Violeta Parra..”Gracias a la vida, que me ha dado tanto…” ou “Volver a los 17, después de vivir un siglo…”
Mas ainda não sabia o que era deixar, até voltar ao Brasil e começar a despedir-me desse tudo.
Não foi tão fácil quanto eu pensava. Aliás, eu não pensava que seria fácil, mas não imaginava que seria tão difí­cil.
Voltei com a certeza de que tinha tomado uma das mais importantes decisões da minha vida e que estava escolhendo o amor. Tinha que valer a pena!
Ao chegar em Recife, como não podia deixar de ser, pois os aeroportos me adoram, a mala remanescente, a única, também desapareceu.
– Heim? O que? Inacreditável. Um raio não pode cair duas vezes no mesmo lugar!
– É?
Pois sim… não era UM raio, eram DOIS. E sim, duas malas podem desaparecer numa mesma viagem. Principalmente se forem as minhas!
A segunda mala, com minhas últimas roupinhas, sumiu entre Portugal e Brasil.
Virei uma leoa feroz e ataquei com sanha de sangue o funcionário da companhia aérea. Ele me deu um formulário para preencher, igualzinho ao de Madrid, prometendo levá-la em minha casa assim que a maleta aparecesse. Perguntei se ele queria que eu acreditasse nesse conto do vigário e prometi, cuspindo ódio e frustração, que iria processar a sua empresa.
Entrei em casa chorando as lágrimas presas desde 9 horas de vôo, com a bolsa e os malditos sapatos vermelhos quem mandou escolher os miseráveis de novo – que a partir daquele dia foram viver no fundo do armário, com a culpa de tudo. Nunca mais vesti os desgraçados!
Diz uma amiga minha que tem roupa que traz “mala suerte”. Achei que eram os sapatos. Nunca mais me fantasiaria de Dorothy!
A segunda mala pareceu um dia depois, mas a primeira escafedeu-se de verdade! A raiva foi tanta que decidi procurar o gerente da empresa e avisar que iria processá-los se não me indenizassem de imediato. Fiz uma lista de tudo o que tinha na mala, com preços (das melhores lojas, claro!) incluí­dos. Em cinco, CINCO… apenas cinco dias a mala, que estava em Madrid, devidamente etiquetada com meu nome e endereço, apareceu.
O gerente ficou tão indignado com a negligência de seus funcionários que me pagou os $100 que deveriam ter-me dado nas primeiras 24 horas do desaparecimento e me ofereceu como indenização uma passagem de ida e volta para a Espanha, “se eu aceitasse, naturalmente.”
Ho ho ho… sim, sim, sim. Para o final do ano.
Para mim era melhor e mais rápido que uma ação judicial.
Em três meses consegui que um colega me substituí­sse nas consultorias, embalei meu passado em caixas enormes, sofrendo a cada livro que não podia trazer, a cada objeto que havia pertencido ao Lorde, a cada quadro que pintara a Princesa em seus tempos de jovem aspirante a artista, suas peças de cerâmica, seus santos de madeira…
Minha história inteira foi selecionada em o que guardar, o que levar, o que jogar fora. E minha história incluí­a outras histórias, anteriores a mim, anteriores a minha memória. Objetos, fotografias, quadros e livros que foram de meus avós. Móveis que foram de meus bisavós…
Não era um exercí­cio muito fácil de fazer. Mas era necessário.
Assim, embalei o que não foi possí­vel me desprender, emprestei ou presenteei o resto que não podia trazer e trouxe a essência da essência da essência dos meus anos. Minhas máscaras venezianas, duas luminárias e dois quadros da Princesa, uma estatueta de marfim do Lorde, seus cachimbos, fotografias de famí­lia, alguns poucos livros (pouquí­ssimos, ai meu Deus!) e todos os meus quatrocentos e sessenta e dois CDs. Todos. Cada mala vinha recheada de CDs, sem as capas plásticas, mas envolvidos nos libretos de papel. Isso eu não podia deixar de forma alguma. Cada vez que arrumava as malas, me aparecia uma coisa a mais para tirar… e outra para entrar. Um verdadeiro inferno!
Finalmente, com quatro malas grandes, duas mochilas e a permissão para bagagem extraordinária assinada pelo meu amigo gerente, cheguei ao aeroporto de Recife triunfante! Vestida para o inverno madrilenho, cabelos escovados, castanhos e normais, botas antigas, negras e discretí­ssimas. Despedi-me da famí­lia e amigos mais í­ntimos e tomei o avião para o começo de uma nova fase na minha vida. Sem choro nem velas! Estava feliz e segura de que tudo ia dar certo… tinha que dar certo!
Para coroar o momento, na hora de embarcar, ganhei um upgrade para viajar em primeira classe, com direito a champanha e jantar especial.
Uau!!! Agora sim…os aeroportos estavam aprendendo a gostar de mim!
Desci em Madrid confiante e feliz…Todas as malas chegaram comigo… Ele estava no portão certo, esperando-me com seu olhar-de-mar-azul e o sorriso de derreter iceberg…
-Por fim!
Perfeito!
Parece que não…De repente notei que meu andar estava capengando…como assim?
Assim. Olhei para o chão notei pedacinhos de borracha num rastro negro que vinha atrás de mim. As antigas botas que eu havia escolhido para usar sem sustos naquela viagem estavam se desfazendo a cada passo que eu dava. O salto de uma delas já estava totalmente esfarelado e o outro estava começando o mesmo processo de esfacelamento! Tanto tempo sem usá-las e agora queriam me matar de vergonha!
Ele me olhou e soltou uma estrondosa gargalhada…Bingo!
Era mesmo essa a mulher que ele esperava para começar a dividir seu mundo e seus dias.
No mí­nimo eu lhe faria rir.
Sorri também e continuei em frente.
Ninguém viu… Ninguém.

* O Mundo Em Nossas Mãos

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Nua No Verão Europeu… ( 9·Cap )

Aeroporto dos Guararapes. Recife, julho de 2002.
Passagem na mão, duas pequenas malas, cuidadosamente arrumadas para viver meus trinta e quatro dias de amor.Trintaaaa-eeee-quaaaatro! Vou morrer! Pensei, tentando acalmar o “bichinho” que me comia o estômago.
Nas cartas que trocamos, mil planos de passeios. Conhecer Toledo, Ávila, Salamanca, Segóvia, Burgos, Valladolid. Vasculhar todas as paredes do Prado. Bicicletar pela Ruta Verde. Muito banho de piscina nas noites do verão madrilenho…vinhos, velas, música, e amar…
Amar muitooooo!!!
Desta vez eu estava disposta a marcar território. Deixar minhas pegadas por todos os cantos. Fazer-me inolvidável! Queria que se viciasse em mim…
Desta vez eu estava disposta a perguntar: “E agora?”
Pois então…
Três dias antes havia tentado ficar mais bonita. Fui cortar o cabelo, é claro! O cabeleireiro é o lugar mais procurado pelas mulheres nos dias de tensão insuportável. O resultado nem sempre é satisfatório. Eles se aproveitam da sua cara de desespero e prometem transformar-lhe na Top Model mais espetacular da face da terra! E você, como boa histérica, concorda! Não deu outra. Saí­ da sessão terapêutica chinfrim com o cabelo mais curto do que desejava, liso como o de uma japonesa e com mechas da cor de mercúrio cromo. Fashion!!!
Ele iria levar um baita susto.
Tudo bem. Eu diria que sou muitas mulheres numa só. Não. Clichê demais. Diria a verdade e pronto. Agora não podia voltar atrás!
Cada vez que passava por um espelho, olhava para a desconhecida que sorria para mim e pensava: “Que merda!”
Se eu sorria é porque estava bem. Tudo bem. Vai dar tudo certo. Um simples cabelinho cor-de-rosa alaranjado não iria me impedir de aproveitar cada segundo dos trintaaaaaaeeeequatrooooo dias que tinha pela frente!
“Mas que merda!” Passei dois dias lavando a cabeça a cada três horas, para ver se melhorava um pouquinho. Melhorou. Metade da tinta ficou na toalha.
E o dia chegou.
A viagem foi interminável. Saí­a de Recife às 20:45 e chegava em Madrid às 13:30 do dia seguinte. Sem fumar! Classe turista, o que significa também, sem dormir!
Aeroporto de Madrid. O “bichinho” nervoso já tinha comido o estômago, o fí­gado e estava gostosamente mastigando meu intestino…
E tome andar…esteira rolante para cá, esteira rolante para lá, e sobe aqui e desce ali… seguindo todo mundo. Elegantí­ssima no meu terninho grafite, blusa vermelha de gola alta (para combinar com os cabelos) e lindí­ssimos sapatos novos, de saltos perfeitos. Vermelhos também.
Estava bonita, pensei. Mulher apaixonada está sempre bonita.
Agora as malas e pronto! “Viver e não ter a vergonha de ser feliz…” Cantava o bichinho come-come dentro de mim.
As malas. Cadê minhas malas?
Todo mundo pegando as malas e nada das minhas. Esperei. Esperei. Esperei. Finalmente, apareceu uma delas. Suspirei de alí­vio. Agora vai aparecer a outra e pronto. Tudo certo.
Não apareceu. Esperei mais. Nada. Todo mundo foi embora e eu fiquei ali, não acreditando que sumira uma das malas.
Por que os aeroportos fazem essas coisas comigo?
Resolvi ir lá fora e dizer a ele que…(?)
Ele? Que ele?
Onde estava ele??
Não estava lá. Como assim?? Atrasado. Só estava atrasado, pensei positivo.
Voltei para a esteira das malas. Nada.
No balcão da companhia me deram um papel para preencher. Disseram que por causa da escala em Lisboa, provavelmente a mala viria em outro vôo. Podia ir tranqüila que eles a levariam em casa. Dei o endereço e saí­ da sala, preocupada com a minha demora em aparecer. Ele não estava. Esperei. Esperei. Esperei. Ele não apareceu.
O bichinho que acabava de mastigar o último pedaço do meu intestino teve um ataque de indigestão e procurei um banheiro urgente! Esteira rolante para lá, esteira rolante para cá, vira a esquerda, depois a direita. Vou morrer aqui! Desesperei.
Quando voltei para o portão de desembarque e percebi que ele não iria aparecer, resolvi tomar uma providência. Ligar para o celular e perguntar o que estava acontecendo. Simples não?
Não. Eu não tinha moedas. Onde trocar dinheiro?
Esteira para lá, esteira para cá, direita, esquerda, uma cafeteria. Tomei uma água, que eu não arriscaria nem uma coca-cola com aquele bichinho nervoso dentro de mim, e com o troco telefonei. Ele estava diante de outro portão de desembarque há quase uma hora. Lá estava, no painel, o número do meu vôo, mas por erro do aeroporto eu saí­ pelo 6 doméstico e ele me esperava no 2 internacional. Se conhecem o aeroporto de Madrid devem imaginar as distâncias.
Pois, finalmente nos encontramos, rindo de tudo… como fazem os apaixonados. Contanto que estejam juntos, o resto é resto. Ou não?
Mais ou menos…
A mala desaparecida era a maior. Nela estavam os tênis, os biquí­nis, shorts e camisetas. Todos os cintos, sapatos e bolsas, os presentes, as camisolas lindí­ssimas, as bijuterias, os lenços coloridos.
E toda a roupa í­ntima.Toda.
Isto quer dizer que fiquei com os vestidos, calças compridas e blusas que estavam na mala menor.
Esqueci a cor dos cabelos. Agora o problema era trágico! Que idéia a minha de viajar com sapatos de salto e vermelhos! Eles só combinavam com o terninho e com a roupa de noite.
E para ficar em casa, andar pelas ruas da cidade, bicicletar? De saltos?
Também não tinha o que vestir, nem podia ir à piscina sem biquí­ni, sem sandália. Nem podia vestir verde ou azul… como combinar tudo com VERMELHO!!!??? E não tinha nem uma mí­sera calcinha para trocar!
“E agora?” Perguntei, em amplo sentido.

Passamos dois dias inteiros em casa. Esperando a mala aparecer e aproveitando para conhecer-nos melhor. Muito melhor!
Mas, e os planos? E Toledo? E o Prado? E a Espanha???
Ligava para o aeroporto mil vezes, e mil vezes a mesma resposta. Nada. A Tap culpava a Ibéria e vice-versa. Nenhuma das duas me deu os cem dólares que eu tinha direito (e nem sabia disso). Falavam numa indenização se a mala não aparecesse em até três meses.
Heim!!?? TRÊS meses?
A mala nunca apareceu. O verão da Europa à noite é frio e eu usava sua jaqueta para sair e que me cobria até o joelho. Fashion!
Em casa, sua sandália tamanho 42, seu short “modelito” europeu, isto é samba-canção, e camisetas brancas tamanho 48. As Top Model morreriam de inveja!
Tivemos que comprar um biquí­ni. Já viram o fundo de um biquí­ni europeu? Tipo saco frouxo na bunda, e alto até o meio das costas? Comprar também umas calcinhas e sutiãs simplezinhos, pois que um euro valia quase quatro reais (que absurdo!) Um sapato e uma bolsa (quanto???) Um tênis e duas camisetas. Alisei.
Zero acessório. Zero bijuterias, lenços, cintos…
Se eu queria impressionar meu namorado com as maravilhosas roupas que levava, puft!
Mas se queria ser inolvidável, BINGO!
* Maletas – J. Enrique Gonzalez

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Síndrome de Moêma…( 8· Cap )

Eu não podia mais olhar o mar de Olinda, sem desejar irracionalmente entrar por ele e nadar. Cruzar a linha do horizonte…
Eu estava com a Sí­ndrome de Moêma, a í­ndia que nadou atrás do barco de seu amado até desaparecer nas águas profundas do oceano. Romântico demais. Mas nem nadar eu sabia!
O que me dava esse surto romântico não era o aeroporto… era o mar. Talvez porque ele era do mar. Talvez porque o aeroporto era o real e eu ainda via aqueles nove dias como um sonho.
Mesmo sendo ridí­culo, surtei como Moêma.
Aquele homem tinha essa capacidade. Desde a primeira noite, desde a festa do barco. Me tirava do sério. Sua presença causava profundas alterações no meu equilí­brio mental e físico!
E sua ausência?
Fiquei igual a música do Dorival. “Pobre Rosinha de Chica, que era bonita, agora parece que endoideceu… Vive na beira da praia, olhando pras ondas, dizendo baixinho…”
Sei lá o que eu dizia! Falava com o vento…

Depois daqueles nove dias de vida intensa, cada segundo mil dias, cada dia mil vidas, voltar ao todo dia de sempre não estava sendo fácil.
Eu não estava infeliz, não estava com fome, não tinha sede, não tinha sono, nem calor, nem frio, nem medo. Não tinha angústia. E me faltava tudo.
Faltava ele. Faltava eu em mim. Mas não estava deprimida, nem triste. O que eu sentia só tinha um nome: Saudade.
Muita. Toda. Dele e de mim. De sua presença na cama, na rede, na mesa. E da mulher que eu pude ser ao seu lado. Uma mulher há muito esquecida.
Vai passar, pensei. Vai passar. Um dia passa…Como tudo na vida.
O que tinha que fazer era guardar na lembrança. Seria uma história boa de contar…
Mas todo dia era dia de lembrar. Nunca consegui guardar.
Sentia saudade. Muita. Toda.
E assim o tempo foi passando. Como diz a Maria…Dia sim e o outro também, o tempo acontecia.
Continuávamos trocando e-mails quase diários, mas o mundo saiu do lugar. Agora o que era estar perto não era mais o de antes. Queria o cheiro, a voz, a textura da pele e dos pêlos. Tinha sede dos beijos, fome do corpo. Sonhava coisas, dormia acordada.
Angústia? Não sentia. O que tinha era saudade. Muita e toda.
Um mês depois tive dengue. Todos os dias vinham me tirar o sangue, e as plaquetas caiam mais e mais. O médico quis internar-me num hospital. Morriam pessoas ali…tive medo. E se eu não saí­sse de lá? E se eu morresse lá? Pedi mais um dia.
Fiquei ali deitada, sem poder fazer absolutamente nada. Nem andar, nem trabalhar, nem ler, nem ver televisão, nem escrever no computador, nem nada de nada… só podia pensar. E entendi outra lição de minha mãe, que curiosamente chamava-se Moêma, e sua morte imóvel e cruel: “O tempo não espera. A vida não espera”.
Que nadar que nada, sua burra! Você tem que voar!

Não podia mais esperar que as coisas acontecessem para mim. Precisava fazê-las acontecer.
Telefonei e perguntei: “Eu vou. Você quer?”
E prendi a respiração!
Sim, ele queria. Sim, sim… SIM!
Estava igual a mim. Como um “zumbi”, ele disse.
Quase caí­ da cama de felicidade. Nem pular eu podia.
De agenda na mão buscamos as possí­veis datas. Semana Santa seria a mais perto, mas terí­amos somente oito dias. E em Julho, trinta e quatro.
Trin-ta-eeeeee-quaaaaa-tro! Deslizei macio para o chão como um gato…
Assim. Seria mais uma vez no verão, desta vez do outro lado do oceano. Um verão espanhol.
O universo estava outra vez coordenado.
E eu fiquei ali pensando que o chão era uma nuvem… parecia nuvem.
Com um plano desses para viver, as plaquetas subiram no dia seguinte. E no outro. E no outro mais. E mais…
Eu sabia que iria demorar ainda quatro meses, mas isso fazia parte de Ítaca. Planejar uma viagem é viajar.
E eu já estava fazendo as malas.
Essa história ainda se tornaria boa de contar…
*Muchacha en La Ventana – Salvador Dalí­

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Desaprendendo a Ser Só…( 7·Cap )

Nove dias para viver um sonho de muitos anos. Sem chuva ou com ela.
Assim, resolvi aproveitar a casa que minha amiga havia me emprestado por uns dias e que fica em Toquinho, uma praia do municí­pio de Ipojuca, ao sul de Recife. De passagem, poderí­amos comer em Porto de Galinhas, num restaurante que eu adoro, chamado Beijupirá.
Ah! Que dias… Nem sei se dá para contá-los.
O restaurante é naturalmente decorado com buganvilhas de todas as cores, velas enormes aos pés das árvores para as belas e românticas noites do verão nordestino… redes por toda a varanda, mesas coloridas por toalhas pintadas à mão. Serviço de primeira, na arte e no sabor. Daiquiris de todas as frutas nordestinas, peixes e mariscos cozidos com molhos de manga, maracujá, castanhas, canela…um bom gosto nas cores e nas formas. Lindo!
Depois, a casa de Toquinho…
Dentro de um condomí­nio, a casa fica entre o rio e o mar. Rodeada por um gramado verdí­ssimo e flores tropicais, na frente uma pequena piscina, terraços amplos e bem decorados, quartos com ar-condicionado, duchas de água quente, camas mais que confortáveis. Tudo com um bom gosto de detalhes nos objetos, quadros, colchas de cama, armários…
A casa é um paraí­so dentro de um paraí­so. Tem tudo o que a gente precisa. Do trivial à sofisticada maquina de café expresso. Todos os utensí­lios necessários para pintar e bordar na cozinha. Meu desespero é que não sabia nem pintar nem bordar… e cozinhar? Nem se fale!
Mas ele já estava avisado! O cozinheiro estava eleito por unanimidade de (dois) votos.
E na sala uma porta enorme sempre aberta de frente para um mar verde e lindo, uma praia quase deserta para passear. Chalé dez estrelas…
Minha amiga pressurosa já havia dado as ordens e estava tudo pronto, aberto e limpo quando chegamos…
Pois aí­ ficamos por quatro dos nove dias que tí­nhamos. Não deu para sair antes. É difí­cil deixar o paraí­so…Passamos ali a noite de Ano Novo, apesar dos muitos convites que eu tinha para Reveillon em Boa Viagem e festas entre amigos. Preferimos a paz de Toquinho. A sós!
E neste dia e nesta noite, o sol e a lua cheia ganharam a batalha com a chuva e nos deram uma piscina de água fresca de dia e prateada e morna à noite. Passamos horas misturando nossos idiomas, escutando a música, comendo tudo o que os meninos nativos, com suas bacias sobre a cabeça, nos ofereciam por cima do muro. Patolas de caranguejo, ostras frescas, camarões…
E à noite, acendemos todas as velas da casa, fizemos uma ceia fria, brindamos ao novo ano.
Uma emoção estar ali, vivendo uma noite como aquela! Que presente da vida! Para não esquecer jamais!
E tome felicidade embalsamando o planeta! Inesquecí­vel e inenarrável…
Quatro dias que pareceram uma ficção romântica. Nunca pensei ser possí­vel vivê-los de verdade.
Mas ainda tí­nhamos 5 dias! E nesses eu queria mostrar minhas cidades: Recife e Olinda.
Chovia a cântaros, mas não nos acovardamos. Em Olinda comemos no maravilhoso Oficina do Sabor, dançamos e ouvimos jazz ao vivo no Uruguai Club, um casarão antigo totalmente restaurado e decorado numas das milhares de ladeiras da cidade histórica. Comemos tapioca e queijo assado na brasa, no alto da Sé. Visitamos o Museu de Mamulengos, o Mercado da Ribeira, as lojas de artesanatos e talhas de madeira, passeamos pelo casco histórico da cidade e suas dezenas de igrejas. Afundamos nos sorvetes de pinha, pitanga, cajá, graviola e maracujá, na melhor sorveteria do mundo! Trocamos os sabores entre beijos e risadas de loucos, como uma das minhas cartas prometia.
Em Recife era imprescindí­vel mostrar meu berço, o Poço da Panela e Casa Forte, meu baobá, os casarões da Estrada Real do Poço,minha antiga casa, o rio que gostava de ler, ouvir a batucada das crianças que se preparavam para o Carnaval do Poço. Comer bacalhau e agulha frita com cerveja no bar da Beata, que nem é bar nem ela é beata e que fica no beco sem calçamento por trás da igrejinha branca onde mora meu pai … Rir e conversar com ela, uma senhora de brancos cabelos que vive descalça, com seus pés de unhas pintadas de rubro, a boca quase sem dentes porque ela diz que tem nojo dos postiços. E que só abre o ” bar” e bota a mesa no meio da rua para quem ela gosta… Quando chega quem ela não gosta, guarda a mesa e “fecha” o bar.
Mas comigo ela vem e senta, dentro de seu vestidinho de flores miúdas, e conta antigas histórias do bairro e do marido, morto numa das enchentes do rio…
E tomar café e licor na casa dos amigos… e depois ir escutar coros e música clássica na casa de meu irmão.
Provar uma caipirosca de limão no Capibar e interpretar as histórias que conta o lixo, catado do rio por seu dono e que exposto na balsa de madeira ancorada, impressiona como prova da nossa falta de consciência e cidadania. E sentar no Bistrô Rodin, na Praça de Casa Forte, para comer crepe… e no Café Burle Marx para tomar um whisky e escutar as músicas especiais que seu dono escolhe a dedo. E enquanto isso contar as histórias que eu dividi com as enormes árvores, companheiras de minha infância e adolescência, no caminho diário para o colégio das freiras francesas.
Visitar o ateliê de Brennand, na Várzea, e embobecer diante de suas esculturas e os antigos fornos onde fabricava suas peças, únicas no planeta. Atravessar todas as pontes do centro da cidade, entrar no antigo mercado de São José e andar entre as muitas tendas de redes e artigos de cordas, os santos macumbeiros e católicos, mostrar os cheiros que me traziam a infância de volta e a saudade da mão macia de minha avó…
E depois ir ver o mar do Pina e suas crianças pulando dos barcos de pescadores, e beber a caipirosca nevada mais saborosa da cidade, empoleirados no Biruta Bar, um bar de madeira e palha plantado na areia da praia…
De vez em quando percebí­amos que chovia… mas o mundo em Recife não parava por isso. Nem a praia… nem o Bargaço, lotado de gente para comer suas peixadas e moquecas de lagosta e camarões… Nem o antigo Bairro do Recife, com seus bares e restaurantes cheios de gente, seus edifí­cios barrocos e casarões coloniais.
Ali entramos no Café Cordel, para um café com licor acompanhados por música e literatura de cordel pernambucanos…
Nem o Tio Pepe, com suas tábuas de carnes ou peixes assadas na “chapa” com macaxeira e seu doce de leite “doido”, servido com gotas de brandy…
Nem as barracas que vendem água de coco diante da praia de Boa Viagem.
A chuva não impediu nada do que eu queria compartilhar, exceto um bom banho de sol deitados nas cadeiras da praia, tomando a cervejinha gelada de Pêu, o sujeito mais simpático dos milhares que se espalham pela orla.
As tempestades e nuvens negras não escureceram meu coração embriagado e luminoso de paixão… nem diminuí­ram a alegria que impregnava meu sangue de calor e que me fez dançar na varanda do casarão de Olinda, sob a chuva diluviana que caí­a morna sobre a cidade…
Chuva tão deliciosa que meu namorado-de-nove-dias, meu destino-de-quase-sete anos, acabando de sair da ducha não resistiu ao chamado e mergulhou no melhor banho de céu que já tomamos na vida…
Nove dias… tí­nhamos só nove dias.
Como viver depois? Eu não queria nem pensar…
Multipliquei os minutos, os segundos…aproveitei cada momento de fala e de silêncio cúmplices, fotografei na memória cada movimento de mãos, cada sorriso. Guardei sob a pele cada carí­cia.Gravei na alma as conversas dentro da rede do salão, as músicas que escolhí­amos ouvir durante o café da manhã…o carinho dos olhares, os cheiros, o dormir abraçados de pernas entrelaçadas, os bom dias, os boa noites, o amor feito com amor, que é a melhor forma de amar…
Como foi possí­vel estar sem isso por tanto tempo da vida?
Não queria pensar… não ia pensar…
Queria parar o tempo, desligar o resto do mundo. Queria virar sereia dentro de seu olhar de mar azul e viver dentro dele para sempre…
Mas para sempre não existe… e o dia chegou.
Meus olhos já se despedindo de cada movimento seu, meu olfato de seu cheiro, minhas mãos de sua pele…
Foram só nove dias… e meus olhos desacostumaram de ser sozinhos, meu coração esqueceu que estava há anos guardado em seus limites, meu corpo desaprendeu a viver sem ser amado.
Em nove dias. Só nove… meu corpo e minha alma esqueceram o que era solidão.
Tantos anos para acostumá-los e em nove dias haviam esquecido tudo.
Não sabiam mais… não queriam mais aprender. Estava perdida!
Mas valeu a pena…

 

Sem chorar e sem gritar escolhi calmamente uma roupa, um sapato, uma bolsa, um batom.
Fechamos lentamente a maleta e voltamos ao aeroporto. As longas conversas amordaçadas no silêncio da saudade antecipada…
Ninguém perguntou “e agora?”
E desta vez o voo não atrasou.
O sol do verão de Pernambuco voltou brilhante e caloroso nos dias que se seguiram a sua partida. E as minhas lindas cidades se vestiram de risos e cores…
Agora só meus olhos estavam molhados e escuros…

 

 

 

 

Foto:Bendition-Júlio Romero de Torres

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Nove Dias Para Viver…( 6·Cap )

De duzentas mil maneiras haví­amos imaginado aquele encontro no aeroporto… e ele acontecia de uma forma completamente distinta a todas elas.
Os milhares de beijos vorazes, trocados por bocas famintas de saudade eterna, os abraços plenos de ardor, cheios das mãos ansiosas, urgentes. As palavras de amor sussurradas em tantas frases, antes só escritas, ganhando o tom das vozes embargadas de paixão… ficaram guardados numa vertigem interna.
Para não cair, abracei-o em silêncio. Queria dizer: “Onde estava? Por que demorou tanto?” Mas as palavras que pulsavam dentro da alma não se formavam na boca.
Finalmente eu podia fazer-lhe as pré-históricas perguntas, mas naquela hora ele não iria entender…
Estávamos ali. Ao vivo e a cores. Na verdade, desbotadas cores. Derretidos os olhos e tremulas as pernas, num abraço imóvel, quase sem respirar. Paralisados… mais pela incredulidade de estarmos juntos do que pelo cansaço. Tí­nhamos nove dias pela frente para falar, para tocar-nos… para sentir-nos. Tinha nove dias para perguntar-lhe tudo o que quisesse.
No estacionamento do aeroporto, um primeiro e tí­mido beijo, com gosto de primeiro beijo de adolescente. Desengonçado, inseguro, tremulo. Depois dos trilhões de beijos virtuais, com todos os gostos e formas, o primeiro era tão ingênuo e infantil que sorrimos.
O velho casarão de Olinda nos esperava com seu cheiro de mar, sua varanda florida, sua rede de céu e nuvens. Os queijos e vinhos, flores, frutas… tudo ainda embrulhado. A saí­da intempestiva de casa não havia permitido que eu arrumasse a mesa como queria.
Mas não importava… ainda tí­nhamos nove dias para aproveitar tudo.
Enquanto ele tomava um banho reparador, depois de mais de 20 horas entre voos e aeroportos, botei uma música, escancarei a porta de vidro e o mar entrou em gotí­culas frescas e salgadas, embalsamando a sala com um maravilhoso cheiro de madrugada marinha…
Perfeito!
– Que queres beber? Perguntei sorrindo.
– Uma cerveja
– Heim?! Tinha vinho, whisky, vodca, champanha… menos cerveja.
– Não tem. Suspirei.- Comprei tudo, menos cerveja. E comecei a rir.De cansada, nervosa, medrosa. Surtada!
– Não passa nada… não passa nada. Ele disse.- Tomamos um vinho… já está. Ele me acalmava, abrindo a garrafa.
Tomei a primeira taça como se fosse água… e a segunda. O vinho também acalmava. Contei-lhe minha semana insone, meu dia sem água, a explosão da bomba, o assalto, a delegacia, a espera interminável no aeroporto. Eu falava e ria…acho que ele entendeu mais ou menos o que eu dizia.
Ele contou-me sobre o problema no avião, a impossibilidade de ler, de dormir, o nervoso, o medo de não chegar. E rí­amos…e rí­amos. E a felicidade foi se espalhando pelo sangue, como o vinho.
Finalmente, com o sol lutando para nascer por trás de nuvens escuras sobre o mar de Olinda, lindo, lindo… fomos para a cama. Estupidamente cansados.

Ainda tí­nhamos nove dias para sonhar acordados. Nove dias para corporificar um amor fantasiado em longas madrugadas de insonias. Nove dias para aproveitar o sol, a lua e os mares de um verão em Pernambuco. Nove dias para viver todas as ânsias e saudades alimentadas por um ano de e-mails diários. Nove dias para viver os sete anos de espera.
Quando me vi entre seus braços, com os lábios a meio centí­metro dos seus, a barba perfumada de maresia e vinho, esqueci o cansaço, o medo, a semana insone, a agonia do dia e da noite. Esqueci todas as misérias do mundo, todas as tristezas e desesperanças da vida. Recordei que só tinha nove dias. Que podiam ser os nove primeiros…ou os últimos. E que eles já haviam começado.
” Como se tudo o que (em mim) existe fossem pequenos barcos que navegam, para estas tuas ilhas que me aguardam.” Pensei de novo Neruda…
– Por que demorou tanto? Perguntei baixinho.
– Estou aqui. Ele respondeu.
E então começou a chover. E choveu para sempre.
Por nove dias e noites choveu no verão de Pernambuco.
Foto: Rain-Boris

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No Mundo Que Ninguém Via…( 5·Cap )

No mundo que ninguém via, eu estava feliz. No mundo que ninguém sabia, eu tinha um amor.
Do outro lado desse mundo, tudo desmoronava. Os dias eram difí­ceis de viver.
Os minutos que eu tinha diante do computador, escrevendo e lendo nossas cartas diárias, eram como um bálsamo de felicidade. E eu prolongava-os ao máximo que podia.
Funcionavam como uma nuvem, onde eu me pendurava para não desabar diante dos problemas. E eram muitos problemas.
Nem vou citar todos, que não valem a pena. Apenas cito aqui o pior deles.
Durante os primeiros seis meses de 2001 assistia impotente como minha mãe desaparecia dentro de si mesma. Via o Alzheimer e as isquemias cerebrais destruirem sua razão e confundirem seus sentimentos. Apagarem sua visão e limitarem seus movimentos. Via minha mãe morrer um pouco a cada dia. Como perdia seu sorriso, sua alegria. Como ia virando uma criança, um bebê… um feto. E depois… uma casca vazia.
Contei a ela sobre as cartas que trocava com olhos-de-mar-azul , disse-lhe que estava apaixonada de verdade. Chorei sobre seu peito murcho a falta que ela me fazia. Não sei se me ouvia. Mas por trás de sua face envelhecida e imóvel, por trás de seu silêncio de árvore morta, parecia dizer-me: “Viva, minha querida. Viva cada pedacinho de sua vida intensamente. Não perca nenhuma migalha de alegria. Realize os seus sonhos, acredite neles. Viva a cada dia um dia. Aproveite cada segundo de luz e de sombras, cada segundo de risos e de lágrimas.”
Na sua lenta despedida, minha mãe me ajudou a valorar, com outras medidas, a vida. Na sua miserável morte, minha mãe me pariu outra vez.
Quarenta e cinco dias depois de sua partida, comemorei meu aniversário num pequeno cais de Recife, entre as gaivotas, os amigos mais queridos e um por de sol.
Muita gente não entendeu como alguém podia comemorar um aniversário um mês e meio depois da morte da própria mãe. Mas eu e ela sabí­amos o que isso significava. E bastava.
No mundo que ninguém sabia, eu e ela sabí­amos. No mundo que ninguém via, eu e ela tí­nhamos um trato…
Enquanto tudo parecia desmoronar por fora, eu renascia por dentro. A vida ganhou…
Em Olinda, no antigo casarão colado ao mar, na companhia dos velhos pescadores e suas redes…eu ressuscitava. Fui resolvendo, pouco a pouco, os outros problemas.
E estava grávida de amor. Ainda não sabia quanto faltava para dar luz àquela história que começou na festa do Juan Sebastian Elcano… mas sentia que era um caminho. Acreditava que podia segui-lo.
Enquanto isso, guardava as luas cheias, os navios iluminados, as manhãs de brisa salgada, as ânsias de beijos. E enchia com elas as minhas cartas de ardor apaixonado.
Um dia, ele me perguntou se eu queria que fosse passar comigo o Ano Novo. No Brasil.
Sim, eu queria. Claro que eu queria. Sim, sim, sim… por favor, sim!
Explodi de alegria, virei estrela no céu de Olinda!
Tinha dez dias para preparar tudo. Cadê minha fada madrinha!!??
Mãaee!!! Gritei apavorada e feliz!
O dia chegou, finalmente. Era um sábado. Dia 29 de Dezembro.
A casa já estava limpa. As compras na geladeira. Frutas tropicais, queijos e vinhos. Champanha. O mar com seu verde vestido. Perfeito!
Fui tomar um banho, disposta a sair e comprar flores, mandar lavar o carro, fazer as unhas e escovar os cabelos. Tinha tempo de sobra até às 08:30 da noite. Dentro do peito, um motorzinho ligado avisava que eu estava um tanto nervosa. Mas nada de pânico. Está tudo certo… vai dar tudo certo.
Um bom banho para começar um bom dia.
Cadê a água? Não pode ser! A casa era uma gambiarra, mas nunca havia faltado água, desde que eu estava ali. Fui ver a bomba. Não funcionava. Chamei o vizinho. O velho dono do antigo casarão, especialista em gambiarras. Ele veio. Mexeu daqui, mexeu dali. Uma hora depois, o velho ainda estava lá, com outro velho, mexendo nos fios, mais velhos que ambos juntos…. e Bum!!! Explodiram a bomba.
Não pode ser! Hoje não!
Eu olhava desolada para eles, com lágrimas nos olhos. Ficaram com pena de mim. Me prometeram resolver tudo, que saí­sse tranquila.
Como assim tranquila? Era sábado. No dia seguinte, domingo. Depois, véspera de Ano Novo e MEU ANO NOVO! Numa casa sem água?
Nada de pânico. Pense! Resolva! Respirei fundo e pensei.
Telefonei para uma amiga e pedi sua casa de praia emprestada por uns dias. Ela disse que sim. Suspirei e saí­. Quando voltei, a bomba estava trocada. Viva! Entrei em casa pensando em descansar um pouco, arrumar as flores…
E então… a campanhia da porta tocou. Recebi a visita de minha tia querida, que havia resolvido tomar um whiskezinho comigo.
Hoje não… hoje não! Pensei, mas não disse…
Servi um whisky na varanda, olhando o relógio. 4:30 da tarde.
Bom, um whiskezinho para relaxar não estava mal… Contei a ela o que estava acontecendo, quem eu estava esperando. Rimos juntas da inusitada história. Ela meio descrente… eu perfeitamente consciente que estava valendo cada segundo.
O velho vizinho acena pela janela e grita: ” Estão roubando seu carro!”
Heim?!!
Pois… saí­mos correndo para a calçada. Não era o meu carro. Era o dela. Haviam quebrado o vidro traseiro de seu carro novo, levado seu som, sua bolsa, as jóias que ela guardava no porta malas e que eram seu ganha pão.
Minha tia em prantos na calçada…os vizinhos em volta do carro. 5 horas da tarde. Fomos juntas à delegacia mais próxima. Um idiota nos recebeu com a maior calma do mundo. Abriu um livro enorme e passou página por página, até chegar numa em branco. E começou a fazer perguntas. Passou uma eternidade para registrar a queixa numa letra gótica de dar gosto. Parecia fazer um convite de casamento. 6 horas. Minha tia exigindo que os policiais da delegacia saí­ssem atrás dos ladrões. Eles dizendo que não tinham viatura. Ela chorando… eu suando em bicas.
Convenci a coitada a voltar para casa. 7:30 da noite.
Mergulhei numa ducha gelada, agradecendo a Deus pela água, esquecida dos cabelos escovados, lavando o corpo e a alma de um suor pegajoso. Lavando a tensão, o desespero. Vesti a primeira roupa que encontrei, sem ajuda de fada madrinha nem nada…e voei para o aeroporto.
Mas estava em Olinda… e não podia voar.
O trânsito era lento como sempre aquelas horas. Atravessar Boa Viagem num sábado, às 8:00 da noite, era um exercí­cio de paciência e auto controle. Comecei a cantar bem alto.
“Ah… minha mãe… minha mãe, menininhaaaa do Gantois… ”
Quando cheguei ao aeroporto dos Guararapes, eram 8:40. Contava com o tempo que se leva para sair de um voo internacional. Estava tudo certo. Tudo ia dar certo…
Esperei. Não saiu. Conferi o número do voo no painel. Não era aquele. O voo estava atrasado. Chegaria às 9:30. Ótimo. Assim respiraria um pouco.
Fui no banheiro, arrumei o cabelo, passei batom. Às 9:15 avisaram que o voo só chegaria as 10:30.
Humhm… Um café. Um cigarro… dois…
Fui novamente ao banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes… mais batom. Às 10:00 avisaram que o vôo chegaria às 11:30. Pedi um Campari… dois. Fumei mais uns cigarros… Não sei quantos. Às 11:00 horas avisaram que o voo não tinha hora para chegar.
Heim!?
Fui ao balcão da TAP para saber o que estava acontecendo. O avião tinha feito uma escala forçada na Ilha de Cabo Verde. Previsão de chegada às duas da madrugada.

Ai, meu Deus! Pense! Resolva!
Telefonei para uma amiga e fui para sua casa. Deitei no sofá da sala e dormi um sono acordado, daqueles que a gente sabe que não está dormindo.
Às duas da madrugada estava outra vez no aeroporto, com a cara amassada, olheiras até o pescoço, o cabelo domado numa trança, fumando um cigarro atrás do outro, esperando diante do portão de desembarque um desconhecido sonhado há quase 7 anos atrás… a quem eu já havia escrito mil declarações de amor e paixão e que sequer havia beijado.
Aeronave no pátio… respirei fundo e esperei.
As pessoas começaram a sair e encontrarem-se com os seus… e para mim, nada. E foram saindo e saindo…e nada, e NADA!
Como assim?
Eram dez para três da madrugada, quando uma barba mais grisalha do que eu lembrava e os olhos de mar azul cruzaram o portão de desembarque e se encontraram com as minhas olheiras profundas.
O sorriso “tarja preta” se abriu e ele disse:
Por fim

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Pedacinhos de Felicidade…( 4· Cap )

Voltando àquela história…
Depois do dia 7 de janeiro de 2001 uma fase nova inaugurou-se em minha vida e eu criei um recanto secreto para ela.
Escrevi-lhe pequenos e-mails a cada dia. Poesias de Hilda Hilst eram respondidas com poesias de Pedro Salinas. Poemas de Neruda com outras de Octávio Paz
Construí cartões virtuais com todo cuidado e tentei passar, em poucas palavras, mensagens mais amplas. Imagens e músicas sempre foram minhas melhores formas de linguagem e derramei sobre o teclado meus tesouros guardados.
Ao final da primeira semana, tive que passar dois dias fora de casa e não pude escrever. Quando voltei havia uma mensagem que começava assim… “Agora começo a entender aos drogaditos, pois tenho dependência de tuas mensagens. Hoje não recebi nenhuma e estou com síndrome de abstinência.”
Sentiu falta de mim, foi!? Como assim???
Tum-tum-tum…Taquicardia. Eu não tomava jeito!
Com um ENORME sorriso de satisfação e o coração derramando mel pelo sangue, tomei mais gosto em escrever. Fui construindo cartas mais longas, contando coisas mais íntimas. Falei sobre meus pensamentos, minhas pessoas, meus sonhos perdidos, minhas mágoas. Falei do meu cotidiano, contei das minhas sensações de deslumbre, tristeza, surpresa, medos. E aos poucos fui me mostrando inteira, sem disfarces.
Mostrei-lhe minha lua cheia, minhas tempestades, um amanhecer na praia depois de uma festa com os amigos, a névoa branca das madrugadas insones, a paisagem de minha minúscula janela, a solidão de um vinho tinto no tapete da sala, as lembranças de infância, de Casa Forte, do Poço da Panela. E ao final, beijos… muitos beijos. Foram crescendo em número e em diversidade: gelados de sorvete, de borboleta, com gosto de café ou vinho… contaminados de ânsias.
As respostas vinham no mesmo tom, no mesmo ritmo e com a mesma ânsia contida. Eram como um alimento para minha alma, uma companhia diária, uma alegria.
O ritual agora não era mais deixar o envelope fechado sobre a mesa. Era deixar sua mensagem sem ler até imprimi-la, enquanto fazia o café e escolhia a música. Depois ler devagar, na rede da sala. Provar mil e duas vezes os beijos. Responder com calma em uma, duas ou mais respostas.
Eu gostava tanto daqueles minutos que os prolongava o máximo que podia.
Depois de ter ressuscitado, minha alma estava tão mais lúcida, tão mais verdadeira, tão mais despudorada de minhas emoções. Falava como se ele estivesse ali, ao meu alcance. Como se sua imagem se expandisse pela casa inteira… se projetasse pelas paredes, se espalhasse pela paisagem da janela, grudasse na minha lua tardia. Como se tudo o que eu via guardasse dentro a sombra de sua fisionomia.
Contei-lhe tudo… falei sobre a lembrança que eu tinha de seu sorriso tarja preta, de seu abraço numa cidade que não era nem a minha nem a dele num encontro que não tinha explicação para acontecer. Ele falou da festa, de meu corpo caindo em seus braços, dos meus cabelos e do mel dos meus olhos, da música que nunca dançamos…
Imaginamos mil vezes como teria sido, se tivesse sido…
E fomos contando um ao outro retalhos de nossas vidas, as mudanças de valores com a passagem do tempo, a solidão de algumas escolhas… O “se” do passado mesclando-se com o “se” de um futuro que mal ousávamos sugerir em fantasias esboçadas, cheias de sentimentos disfarçados.
Eu escrevia em Português, sempre. E ele em Espanhol, sempre. Não sei como nunca precisamos de tradutores. O dicionário, que morava ao lado do teclado, mal era solicitado. Incompreensível para dois quase estranhos, estrangeiros que nunca haviam estudado, falado ou escrito um o idioma do outro.
Eu não podia mais viver um dia sem ler antes suas mensagens. Andava com várias delas na bolsa para poder lê-las a qualquer hora do dia. Trancava-me nos banheiros e lia uma e outra vez as mesmas palavras, como se fossem dizer mais do que diziam.
Ele não podia mais deixar de ler as minhas. Imprimia, guardava para reler com mais tempo e cuidado depois do trabalho. Nas viagens, buscávamos cyber-cafés para não deixar nunca mais o outro deserto e sozinho.
Pois sim…fui criando coragem e um dia escrevi assim, sem disfarces:
“Tudo o que vejo e sinto é para ser contado a você, por mim, um dia. Levo você comigo a toda parte. Falo com seu eu dentro de mim quando dirijo, trabalho, durmo ou como.
Queria poder dividir tudo com você. Acho que estou apaixonada. Por favor, não ria. Se isso não for amor, deveria ser. Mas seja o que isso for, tomara que seja o que quer ser.”

Esperei. A carta seguinte não dizia nada. Contava algo do dia…normal. Tremi, entristeci…mas não me arrependi.
No dia seguinte abri o correio sem qualquer expectativa especial. Tum! Logo nas primeiras frases perdi o fôlego. Era uma carta linda, forte, aberta de sentimentos e desejos. Era uma resposta apaixonada, loucamente apaixonada! Eita! Parei de ler no meio… imprimi. Respirei ofegante. Voltei a ler… com o papel na mão, para garantir que era concreto e real… as palavras estavam ali mesmo. Eram de verdade! Saltitei pela casa como louca. Ninguém via… ninguém via.
Eu parecia a música de Violeta Parra, ” Volver a los 17″. Perdi a noção do ridículo, perdi o ar dos pulmões. Queria gritar e gritei com a cara enfiada numa almofada.
Ninguém ouviu…ninguém.
Trimmm, trimmmm!…No meio da minha emoção quase não escutei o telefone tocar. Ah! não, agora não! Não queria falar com ninguém naquele instante. Era um instante só para mim. Mas atendi. Pensava em dizer “foi engano, aqui não mora essa criatura.. ela voou, qualquer coisa assim… Disse um “alô” sumido, sufocado…
Era ele.
Tum-tum-tum… Taquicardia! Esse homem ainda ia me matar! Comecei a andar pela casa inteira, subindo pela cama, descendo do outro lado, abrindo e fechando a geladeira, rindo como louca, sem saber o que dizer. Completamente idiotizada.
Era a primeira vez que falávamos um com o outro. Nem no abraço de Fortaleza tínhamos podido falar… foi um abraço calado e absurdo. E naquela manhã estávamos finalmente falando, entre risos nervosos… de nada. Só estávamos dizendo: “Estamos aqui. Existimos de verdade.” Não recordo qualquer outro sentido …
E depois, o aparelho silencioso parecia guardar suas palavras dentro. Eu queria desmontá-lo para ver como elas eram, pegar as sílabas nas mãos, sentir no tato a pronuncia tão linda, colher as gotinhas de saliva, as digitais, guardá-las dentro do travesseiro, embalar minhas noites com elas.
Onde já havia lido isso?
Não fui trabalhar naquele dia. Completamente em transe fui andar pela praia… fui ver o mar… fui rir sozinha da brisa, do sol, das bicicletas, da vida… fui sonhar com o horizonte.
Ninguém sabia… ninguém via.

Desta vez decidi não abrir mão de sonhar, de querer, de amar. Não me importava muito se teríamos um futuro juntos, o importante era o presente, era o que dávamos um ao outro em companhia, cumplicidade, afeto.
O importante era estar feliz… absurda e profundamente feliz.
O mar estava sereno, a brisa também. O mundo estava perfeitamente em harmonia comigo.
A felicidade profunda é serena. E basta.
Voltei para casa e escrevi: “Pode ser que isso não seja amor, mas essa viagem virtual promete coisas lindas. E se for amor, ele também é isso: uma promessa.
Uma promessa feita e paga infinitas vezes.
Seja como for, estou feliz e colorida como uma borboleta.”

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Uma Segunda Chance…( 3· Cap )

Durante alguns meses o “feio-porém-simpático” e eu trocamos cartas. E assim eu fui entrando numa onda de animação e me envolvendo numa história que não era nada de espetacular mas era o que a vida me oferecia. Era tão bom acreditar que um me queria! Era tão bom brincar de alegria e aventura! Era tão bom, que eu me deixei levar.
Quantos de nós vive assim a vida? Sem grandes paixões, sem grandes mistérios, sem perdas ou danos também? Conheço uma porção de gente assim. Vive bem, sem sobressaltos. Pois resolvi ser mais uma…
Tentamos, num segundo encontro, recuperar o não-sei-o-que que tivemos na noite do baile de Carnaval, descobrir em que poderia dar aquela história. Em nada… não pôde dar em nada. Saí do encontro com a certeza de que não dava para inventar um amor. Tinha que ser de verdade ou não ser. Não foi.
No ano seguinte o J. S. Elcano voltou ao Brasil. Desta vez não aportou em Recife e sim em Salvador e Fortaleza. Eu soube por minha amiga.
E, coincidência demais – se é que existem as coincidências – eu estaria trabalhando em Fortaleza exatamente naquela semana. A estadia do barco coincidiu, nos dois últimos dias, com um treinamento de trabalho que eu estava organizando lá, e eu havia combinado encontrar o “amigo-feio-porém-simpático” do ano anterior para almoçar. Amigos e nada mais.
Na volta do almoço, enquanto caminhávamos pelas calçadas de Meireles, a linda praia cearense, um carro branco parou no meio da rua e dele desceu a criatura…
Tum! Mandrake! Cadê meu pulmão!?
Cumprimentou o amigo, perguntou-lhe alguma coisa, voltou-se para mim e sorriu…Ai, meu Deus! Cadê meus joelhos!??
Minha porção moderna sorriu de volta e estendeu a mão… e ele me puxou por ela… e me abraçou.
Como assim?? Assim, forte. Assim, de repente. Assim, no meio da rua. Assim, demorado… muito demorado. Eu derreti dentro daquele abraço, desapareci num delicioso perfume… e voltei à pré-história. “Mais um pouco… mais um pouco!” Mais… Fechei os olhos…
– Ehhhhêêi!!! zombou o amigo, em tom enciumado.
Nos soltamos sem graça… mergulhando olhos nos olhos. “Nossos olhos, donos de nós dois” Fui entendendo melhor a Riobaldo. Fiquei engasgada, muda e feliz. E não sei o que se passou nos segundos depois, mas vi o carro branco ir embora com cara de nunca mais…
Parecia que este seria o fim da história. Uma história que nunca começou.
Não era mais tempo de sonhar com paixões pré-históricas, com barbas grisalhas e sorrisos tarja preta. Era tempo de viver a realidade de cada dia.
Ninguém viu… Ninguém viu, eu sei.
Não fossem os ventos loucos do destino…
Um dia, recebi um cartão postal de Barcelona. Letra do meu amigo simpático. Escrevia de um bar, onde estava com seu antigo companheiro do Elcano, que entre tapas e copas perguntou por mim. Sim???? Perguntou por mim?
Sim, com a lembrança da viagem decidiram mandar um cartão. Num lado ele escrevia, queixando-se da falta de notícias. No outro havia uma mensagem curta, escrita com outra letra. Algo assim como “Vivo em Barcelona. Quando quiser vir conhecer, serei com prazer, seu guia.”
Vivo… prazer… guia. Só isso. E tudo isso. Eu queria… eu queria!
Seria maravilhoso se eu pudesse e o dinheiro desse. Mas eu não podia. Nem tinha o dinheiro. E não podia nem escrever-lhe porque sequer sabia o seu endereço.
Enchi o peito de coragem e escrevi ao meu amigo pedindo o endereço de Barcelona. Assim. Claro que pensei no que ele poderia pensar, mas não me importava. Recordava o abraço surrealista de Fortaleza como num filme repetido na minha memória e não sei se também era assim na dele, mas eu queria… sim, sim sim… eu queria tanto que sim!
Recebi o endereço um mês depois.
Diante do papel em branco, hesitei. Escrever o quê? Dizer o quê? “Onde estava?” “Por que demorou tanto?” Não. Melhor um cartão. Assim, “Feliz Natal e obrigada pelo convite. Bem que gostaria…” Um cartão pequeno… para não ter espaço de escrever loucuras. “Pois é…Já conheci Barcelona… é encantadora! Adorei a Sardana dançada na praça, a paella, o bairro gótico. Quem sabe um dia…com você como guia, seria muito melhor.”
E esperei…
E ele respondeu… e eu adorei. E assim continuamos. Nesse tom de alegria contida. Uma troca de cartas ou cartões de Páscoa, Aniversário, Natal outra vez. Contávamos coisas de trabalho, mudanças na vida. Bilhetes de poucas frases. Eu o chamava Lobo do Mar e ele gostava.
Nunca perguntei por que me escreveu. Nunca perguntei o que sabia de mim. Não queria quebrar aquele fiozinho de nada que nos unia.
Unia? Unia a que?
Unia-nos uma alegria mútua em receber notícias. Era só isso que dizíamos: “Estamos vivos. Seguimos aqui. Existimos de verdade.”
Era como um raio de luz em casa quando eu chegava do trabalho e encontrava uma carta sua sob a porta. Cada vez que recebia um daqueles envelopes de cor acinzentada, era um ritual. Um exercício de lentitude para não gastar a pequena felicidade.
Uma ducha fresca, café na caneca azul, a rede, a música. Enquanto isso, o envelope ficava fechado sobre a mesa… encantando a casa com uma letra firme e bonita. Abria devagar. Lia uma frase ou duas. Repetia a leitura… até o beijo final. Um beijo de amigo, mas um beijo! Hum!

Havia ritual também para a resposta. Um vinho na taça, a música no ar, uma noite de saudade antiga…
Contava-lhe coisas da minha vida, medos, tristezas… viagens encantadas.
Por três anos ficamos assim. Estranhos amigos que nunca haviam conversado pessoalmente e sem condições de mudar nada nesse panorama. A distância e o tempo entre as cartas eram muito grandes. Grandes demais. Eu morava longe… muito longe. Parece que ele também.
Em algum momento desse tempo, eu adoeci na alma. Mergulhei num fosso profundo de uma dor desconhecida. Perdi-me de meu coração. Minha luz se apagou. Morri.
Uma pequena parte, sobrevivente de mim, colava fotos antigas na porta da geladeira para lembrar-me como eu era. Mas essa é outra história, que não cabe aqui. Quem sabe um dia eu conte.
Seus pequenos bilhetes eram traços de luz na minha paisagem cinza. Eram cheiro de mar azul, distante e inatingível como o horizonte. Sempre deliciosos.
Mudamos ambos de endereço, cartas se perderam e milagrosamente se encontraram, estranhas forças nos ajudaram a não perdermos o contato.
Quando me recuperei, estava às vésperas do Natal de 2000. Respondi a sua última carta dando meu endereço eletrônico e muitos dias depois, recebi um e-mail seu.
“Bom dia. Isso é um teste”.
Como assim? Só isso?!
Com o coração aos pulos, sintoma de que eu estava mesmo quase curada, respondi com uma foto antiga e sorridente, dizendo: “Que feliz você me faz!.”
Feliz era uma palavra esquecida, empoeirada de saudade de mim. Tanto tempo sem usá-la!
Saí para o trabalho com uma ânsia nova no peito… agora eu estava muito mais perto!
Faziam quase seis anos que havíamos estado naquela festa… E quase seis meses que não nos escrevíamos… Era quase seis de janeiro de 2001.
Era dia sete, para ser muito exata.

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Noiva de Carnaval…( 2·Cap )

Estava acostumada a acordar com a sensação de que um sonho tinha sido verdade. Talvez pelo exercício de anos de análise, onde sonhos eram matéria prima para minhas sessões de terapia, eu sonhava muito e recordava com facilidade dos detalhes de meus sonhos. Alguns eram tão reais que davam medo! Inúmeras vezes matei irmãos, pai e mãe. E muitas outras morri, perdi-me numa cidade que não conhecia, sobrevoei meu bairro como um passarinho, fui engolida por uma onda tsunami e abracei um desconhecido que não tinha rosto mas era o eleito, o homem que mudaria a minha vida. Eu era uma fábrica de sonhos. E ainda sou.

Pois sim… Até tomar um café bem quente, as sensações da experiência onírica não passavam. Às vezes procurava por meu irmão antes de lavar a cara, só para garantir que estava vivo. E hoje ainda desperto com os sentimentos que meus sonhos me deixaram pela noite adentro. No dia seguinte àquela noite, acordei com a mente envolvida em brumas espessas. Vivi ou sonhei? Se fechava os olhos, revivia tudo: a festa, o barco, aquele sorriso, minha porção pré-histórica com todos os efeitos especiais. Daquela vez as sensações não passaram nem com o café, nem com a ducha, nem tinha para quem ligar, a quem perguntar…

Perguntar o que? A quem? Ninguém viu. Ninguém viu…
Uma das minhas amigas havia se encantando com um oficial com quem conversou na festa e dançou no restaurante – que sorte teve aquela mulher! – e convidou-o, junto com outros amigos dele, para um Baile de Carnaval.
Esse era o nosso baile…o famoso Siri na Lata, um baile anárquico que começou como uma revanche ao tradicional Baile Municipal da cidade mas que se transformou no melhor dos bailes recifenses. No Municipal os convidados do prefeito tinham que ir de smoking ou fantasias luxuosas. No outro era a sátira, as máscaras, as noivas, as ciganas e piratas engendrados em casa mesmo. Era só misturar os trapos e criar os disfarces e quem quisesse podia ir de tênis e bermuda. A festa era mil vezes melhor que qualquer outro baile carnavalesco da cidade. Nunca perdíamos um!
Será que eu teria uma segunda chance? Será que olhos-de-mar-azul iria estar naquele grupo? Não perguntei. Mas tinha a certeza que sim, sim, sim… por favor sim!
Surtei de novo.

Inventar uma fantasia foi provocar um furacão dentro de casa. Desarrumei todas as malas de trapos, todos os recantos do guarda roupa, revirei todas as gavetas, provei os tops brilhantes, a antiga cigana, a estraçalhada havaiana… nada me agradava.
Engordei? Cresci?Avancei no quarto de minha mãe…vasculhei seu baú. Nada. Nada! Estou no conto errado!
E a cortina de peixes do banheiro? As redes protetoras das janelas? O velho cortinado do berço de minha filha? Nada.
Apelei para a cozinha…a toalha da mesa! Sim! Estampas de uvas roxas e parras verdes. Dava uma saia e um top…Yes!Ariadne!! Perfeito!! A mulher de Baco!
Mas minha mãe negou-se. “Não vai dar tempo”, ela disse.
Madrasta!! Xinguei-a injustamente.
A coitada da minha mãe andava atrás de mim, tentando ajudar-me, mas criar uma fantasia com aquela agonia no coração era impossível!
(A verdade é que tudo aquilo, menos a cortina do banheiro, uns dias depois viraram fantasia de Carnaval, graças a ela.) Mas eu queria JÁ! Que inferno de vida! – Cadê minha fada madriiiiiiinhaaaa??
Ao final, desisti. Uma saia curta e estampada, implorada à minha irmã, 15 anos mais nova, e um top lilás. Tipinho bailarina de dança moderna. Batom, lápis, perfume e já …  Estava perfeitamente comunzinha. Mas eu iria a esse baile de qualquer jeito! E os olhos brilhavam tanto que me vi bonita. 

Fomos juntas, minha amiga e eu, buscá-los no Elcano.

Tum-tum-tum… Taquicardia!

Entraram dois ninguéns e o ele dela no carro. Ela feliz e risonha e eu deserta. Apaguei os olhos. Sequei, murchei, virei areia… A noite perfeitamente estrelada, uma brisa de mar entrando pelo salão aberto do Atlântico Clube de Olinda, a música ensurdecedora da orquestra, as cores vibrantes da decoração e das fantasias, mil caras conhecidas… e eu deserta. Uma cerveja, duas ou três… 

“Olinda, quero cantar… a ti-i…esta canção!” Dizem que quem canta seus males espanta. Ou não?…quatro. Há séculos que eu treinava apagar meus sonhos. Já estava ficando esperta, quase cínica. “Não aconteceu nada, fui eu quem criou a criatura. Não existe um Ele. Não o meu“. Outra cerveja, por favor …cinco. “Quanto riso.. oh! quanta alegria…”

Encontrava os amigos, os lindos e queridos amigos de sempre, cada qual com seus trapos criativos, seus sorrisos. Os espanhóis estavam em êxtase com a música, as danças pernambucanas, a noite de Olinda. Foi muito divertido levá-los pois não tinham nem idéia de como podia ser um Carnaval no Brasil… e menos ainda em Olinda.
O Siri na Lata foi uma boa amostra.
“Eu quero ver se tem troça que escolha, como em Olinda que tem o Ceroula, mas se tiver para mim é legal, passarei lá na lua todo o carnaval.”
Todo mundo cantando em uníssono, o salão inteiro berrando com a orquestra… lindo! lindo!
A lua dando um banho extra de luz ao terraço aberto do clube.
Fiquei “ó-te-ma”, como dizem as mulheres que sabem das coisas…
Alguém botou uma grinalda de flores e um véu de noiva na minha cabeça. “Brinque, dance, seja feliz, é Carnaval! ” Cervejas, música, amigos, cheiro de mar e de lua… “Lança, lança perfume!” Virei de novo bailarina, boneca de areia molhada, salgada de suor e brisa marítima, noiva de Carnaval…
“Abra suas asas, solte suas feras… caia na gandaia… entre nesta festaaaa!!!! Me leve com vocêêê…”

Abri, soltei, caí na festa… casei inúmeras vezes com vários pretendentes, com direito a benção do padre e tudo (sempre há alguém vestido de padre).
“Fiquei” com um dos espanhóis, o último noivo, que não entendia nada, mas estava adorando a brincadeira.
Fiquei é palavra nova, me ensinou minha filha.
Ele era feio e simpático. Alegre e engraçado. Ia embora dali a umas horas. Nenhum risco. Nenhum “surto”. Nenhuma sensação de estar sonhando. Tudo muito normal, trivial. Sem fantasia.
Fiquei por puro exagero. O feio-porém-simpático estava nas nuvens. Gostei! Era bom poder ser a nuvem de alguém. Estávamos precisando de abraços e era Carnaval!
É preciso ter cuidado com o que este Carnaval faz com a gente. Mas ninguém tem.
Dançamos, bebemos e cantamos até às 7 da manhã. Às 4 da tarde o barco partiu. Não fui à despedida, mas minha amiga, enamorada, derretida, enfeitiçada e completamente insana, sim…

Eu estava no conto errado. Eu era só a amiga da outra. A princesa encantada era ela. Sacudi os ombros, levantei o pescoço e fui brincar meu Carnaval. Livre, leve e solta. Eu e minhas muitas máscaras…

Olhos-de-mar-azul só soube da festa em mar alto e distante, através dos animados relatos de seus companheiros de viagem. Soube das fantasias, das músicas, da alegria, dos frevos impossíveis de dançar…e de quem estava lá. Ele soube de tudo. Tu-do!
Bem pouco, quem mandou não ir!
Mas é que, depois de um compromisso oficial, ele tinha perguntado à pessoa errada o que fazer aquela noite em nossa cidade.
Sabem a quem, não é? 

Mas o destino ainda iria dar um jeitinho…

 

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Era Uma Vez Um Verão… (1·cap.)

Tudo começou numa noite de verão . Uma amiga que trabalhava no Consulado Espanhol convidou-me para uma festa no porto. Como assim no porto? Ainda não haviam recuperado os casarões antigos, ainda não havia a fervilhante multidão nos bares e restaurantes chiques da atual “cidade antiga”, nem nada. O porto estava bem diante de uma cidade caindo aos pedaços, cheia de fantasmas, velha e apodrecida, escura e depredada. Como assim uma festa? Ela explicou-me que seria uma recepção especial oferecida pelo Consulado e o barco escola da Armada Espanhola às autoridades e à sociedade, à fina flor da cidade… Uma recepção dentro do Juan Sebastián Elcano.

Fui.

Era um belíssimo veleiro de 4 mastros e 21 velas e estava perfeitamente iluminado, limpo, brilhante nas madeiras e metais. Lindo! Cada oficial tinha como função receber na palma da mão todos os convidados. E foi assim que nos receberam. Três amigas e eu.Tudo perfeito, menos eu, claro. Como quase sempre, nas ocasiões especiais desta história, algo saía errado. Eu ainda não sabia o que me esperava. Engraçado é que na soma dos erros, saí ganhando. Mas durante o percurso, quase perdi todas. Se tivesse tido forças para desistir, teria perdido tudo.

Mas estou adiantando as coisas… voltemos à festa.

Enquanto um jovem aluno mostrava-me o barco, perdi-me da amiga com quem havia chegado e fiquei só, num mar de desconhecidos. Claro, nunca fiz parte da fina flor da sociedade nem da política de minha cidade. Meu bairro era o dos intelectuais, mas era subúrbio. Era Casa Forte. E tampouco havia – ainda – se transformado no reduto chique da cidade. Era bom e bonito. Mas era longe. Não sei do que, mas era longe. Todos diziam: “mas você mora longe, heim!” 

Voltando…

Segui meu guia por onde me indicava e fui convidada a descer para a câmara dos oficiais a tomar algo. Sim, claro! Avancei tranquila…o salto da sandália enganchou num degrau de uma escada assassina e escorreguei. Caí inteira em cima de alguém. Não me lembro de nada porque, provavelmente pela vergonha, fiquei ausente. Sabe como é? Quando estou numa situação de ridículo, eu cego. Não vejo nada nem ninguém. Simplesmente sorrio e escapo o mais rápido possível do cenário, com uma expressão ausente no olhar. Assim não vejo a reação dos outros. Escapei dos braços vestidos de branco que me ampararam, sem olhar para cima. Balbuciei uma desculpa e fui assim, sem olhar para nada, só para o chão do corredor estreito para não cair outra vez, em direção ao coração da festa, a câmara dos oficiais. Afortunadamente cheguei sem nenhum torção de tornozelo, sem um arranhão, nem na pele nem na dignidade. Ninguém viu… ninguém viu… Primeiro erro. 

Servi-me de um vinho branco e busquei minhas amigas. Elas estavam com um grupo de espanhóis e brasileiros e me apresentaram alguns deles. Relaxei e comecei a desfrutar da beleza de recepção que eles estavam oferecendo e a olhar o mundo em torno de mim. Havia um sem número de homens jovens e maduros, vestidos em seus uniformes de gala, sorrindo e conversando, atendendo a cada convidado com gentileza e cortesia. Era um momento de representação oficial da Espanha à cidade que os acolhia e nisso eles eram muito bons! De repente meu olhar parou na porta da cabine… Entrava naquele instante o homem mais interessante da festa. Não, da festa não! Do mundo. Do universo! Não era nenhum deus do Olimpo. Era só um homem de verdade, de feições irregulares… e que eu achei simplesmente lindo! Mandrake!* Pensei como criança. ( A brincadeira da minha infância era pegar o outro desprevenido e gritar “Mandrake!”. E o pobre tinha que ficar imóvel até que a gente admitisse que se movesse.) Pois pensei Mandrake! Parei de respirar. Trocamos um primeiro olhar… e ele sorriu… e o resto da sala ficou embaçada… Ele tinha um olhar-de-mar-azul e um sorriso de derreter icebergs, quanto mais meus pobres joelhos. Um segundo depois, alguém o segurou pelo braço e ele atendeu. E eu fiquei ali, querendo dar para ele meus abraços mais sentidos, meus beijos mais demorados, minha alma, meu juízo (que juízo?). Queria contar-lhe minha história, conhecer a sua. Perguntar-lhe onde estava, por que demorou tanto? Que saudade, meu deus! Meu coração cresceu e brilhou, assim como em Amelie Poulain( É exatamente assim, eu juro! Quando vi o filme, me reconheci na cena imediatamente! E vamos e venhamos, o filme é bárbaro, gostoso e lindo.Ou não? ) Desconcertei com a força do que eu senti. Desviei o olhar, engoli alguma coisa que me afogava a garganta, peguei outra taça de vinho e a festa ficou em câmara lenta. Escutava mas não escutava o que me diziam, via mas não via as pessoas chegando, a sala se enchendo de ninguém. Pelo canto do olho observava seus movimentos, as belas mãos, a barba espessa manchada de fios grisalhos combinando perfeitamente com o uniforme de um branco impecável. E o sorriso, que apesar de maravilhoso deveria vir com “tarja preta“, porque causava em mim efeitos colaterais incontroláveis. Descobri que era daqueles capazes de causar palpitações no meu coração, alucinações, fantasias, tremores na boca do estômago, ansiedade de adolescente. Não… euforia de adolescente!

Tum-tum-tum! Taquicardia.

Fiquei absurdamente enamorada. Na hora. E eu que nunca pensei ser possível esta história de ” amor à primeira vista”! Pelo menos não para mim. Isso era coisa de outros com mais sorte na vida afetiva, o que eu nunca tive. Sorria meio descrente quando minha mãe contava que ao ver meu pai, disse “vou casar com ele”. Era noiva. Acabou o noivado, se conhecerem e se casaram em um ano. Benditos foram. E ali estava eu, querendo poder dizer a mesma coisa. Que ridícula imitação! pensei racionalizando. Eu sempre racionalizo. Mas acho que minha porção de gene pré-histórico nos hormônios me avisou que algo havia naquele homem que era meu… e avisou aos gritos, tambores e apitos. Eu não estava preparada para o turbilhão de sintomas que vinham junto desta selvagem lembrança genética: Boca seca, palpitações desordenadas, fraqueza nas pernas… e uma vontade de voar… virar água… virar mar… dissolver… Meu lado Ulla (batizei assim a porção pré histórica) reconheceu nele as mais profundas ânsias. Ahrnmgmmm! Gemi alto. Será que alguém ouviu? Não dizem que o olhar e o sorriso são as portas da alma? Então? Ulla o reconheceu pela alma. Ulla sou eu. Ele nasceu para mim, pronto! Pensei absolutamente em SURTO Tentei disfarçar o riso nervoso e perguntei a uma amiga da minha amiga, que estava mais perto, quem era aquela criatura, pelamordedeus!!! Devo ter parecido muito ansiosa porque ela disse, com a cara fechada e um olhar de recriminação: “Esse não.” Tóin! Assim, seca. Não entendi ( ou acho que sim, eu entendi ) mas não perguntei mais nada. Não consegui dizer mais nada. Aceitei. Obedeci como em anos de adestramento. Segundo erro.

Servi-me de mais uma taça de vinho. Gelado, fresco… descia suave e se espalhava pelo sangue, resfriava meu repentino calor. Tentei não olhar muito mas era tão difícil! E eu não sabia mais onde ficar, como mexer-me, o que conversar. Ele estava sempre perto das autoridades e eu concluí que devia ter um cargo importante. Cada vez que o mirava parecia que qualquer pessoa podia perceber meu coração pulsando fora do corpo, meus joelhos de geléia, meu desconcerto, minha saudade. Saudade de que, meu deus? Saudade do que nunca tive? Fiz força para estar com os outros, os muitos ninguéns que estavam ali. Não lembro deles. Estava quase em coma com aquele sorriso espalhado pela sala, dirigido à uns e outros,todos…Miserável!

E eu querendo apagar o mundo inteiro, desligar todos da tomada e estarmos sós, numa festa para comemorar nosso encontro! Queria beber com ele, dançar com ele, entrar pelo olho de mar azul e me espalhar como o vinho pelo seu sangue. Era assim piegas o que eu pensava? Era. E assim piegas esse mistério de amor à primeira vista? Era. E era por isso que quem nunca sentiu, não acreditava ser possível? Era. Era assim… que fazer? Disfarçar. E quando ele me olhava – e eu notei que me olhava – eu tentava fingir que não estava olhando para nada… meu perfeito olhar ausente, aprendido de toda uma vida. 

Nunca soube paquerar, se é que essa palavra ainda existe. Sempre fui mais escolhida que escolhi. Admirava as mulheres que sabiam onde estar para que seu interesse as vissem. Admirava as mulheres que sabiam se aproximar com a carinha mais sedutoramente ingênua do mundo e fazerem parecer que tinha sido ele quem tomara a dianteira. Precisava de umas aulas! Urgente!

Essa mania que eu tinha de me “ausentar” não dava muitas chances de alguém se aproximar de mim, exceto aqueles muito ousados, que na maioria das vezes eram uns pretenciosos que atacavam qualquer carinha bonita, não importando muito se levariam ou não um fora. Minha cara de ausência já foi motivo de muitas impressões errôneas a meu respeito. De orgulhosa a metida a gostosa já me chamaram de tudo. E era só timidez. Há tímidos que se escondem por fora, não saem, não falam. E há tímidos que se escondem por dentro, parecem estar ali mas não estão. Eu aprendi a segunda e mais idiota forma de me esconder. Quando me intimidava, entrava e saía dos lugares sem olhar para ninguém. O olhar blasé de ausente. De que eu tinha medo? Não sei. Eu era assim e pronto. Só falava com conhecidos. E conhecidos de conhecidos. E com eles podia ser divertida, bem humorada, conversadeira e contadora de estórias. E meus amores nasceram assim, da convivência.

Mas aquela noite eu era outra. Uma nova outra ou quem sabe uma antiga outra, pré histórica outra, que eu não conhecia. No esforço de disfarçar o caos das minhas fantasias, emudeci. Só sentia, mais do que via, meu pedaço-perdido encarnado naquele homem lindo, alto, com olhos de mar e barba de nuvens, dono de um sorriso angelical que me jogava nas profundezas do inferno. Eu estava em pânico e me escondi por trás do copo… por trás do cigarro, por trás de mim mesma. E ele não se aproximou, mas esteve sempre ali. Estava trabalhando, atendendo, explicando coisas… sempre rodeado de outros que nunca eram os mesmos meus. Quando a festa acabou, um grupo nos convidou para alargar a noite num restaurante dançante na praia. Fui.

Precisava de ar, muito ar.

Dez minutos depois de estar sentada na mesa do restaurante, quem senta diante de mim? Heim? Acertou quem disse ELE. O sorriso proibido. O olhar azul, o impossível dono da minha agonia. E quem senta junto dele? ELA, a amiga que havia dito “ele não.” Como assim ? Ele e eu, assim… um diante do outro e não trocamos nem uma palavra. Só olhares furtivos, daqueles que passam sem parar, como se o outro só estivesse no meio do caminho… Eu buscava alguma coisa para dizer mas não vinha nada. Nada normal. O que vinha à mente eram as loucas perguntas: “Por que demorou tanto? Onde estava?” Mas nem isso eu saberia dizer em seu idioma e ainda por cima com a música alta e as conversas paralelas. Um jovem ao meu lado falava comigo e eu não entendia nada, mas assentia com a cabeça como se…

O mundo parecia tão lento!

Recitei em silêncio os versos de Neruda… ” como se tudo o que existe fossem pequenos barcos que navegam, para estas tuas ilhas que me aguardam”. Pedi um whisky. Quando o grupo começou a dançar, alguém se levantou e o convidou. Ai! Quem? ELA. Tóin! Dançaram uma música que durou um século, duas…toda a eternidade. Fui ficando triste e um tanto embriagada. Quando o jovem ao meu lado quis me beijar depois de tantos assentimentos surdos… despertei. Ridículo não. Tenho mais de trinta! Louca e piegas sim, e daí? Ninguém viu… ninguém viu… Que é que estou fazendo aqui? Levantei, me desculpei e fui embora. Quarto erro? Deixei de contar. Quando ele voltou para mesa a me procurar, minha cadeira estava vazia. Por que demorou tanto? Ele pensou que eu estava dançando também e esperou. Mas eu nunca voltei. E eu só soube – que os braços brancos que me ampararam na escada eram os seus, que seguia disfarçadamente meus movimentos na festa, que se assegurou antes de irmos ao restaurante que eu estaria lá, que sabia a cor mel dos meus olhos e acreditava que meu sorriso era o mais lindo do mundo, que eu era a pessoa mais especial que havia visto, que eu era uma mulher com M grande, que esperava poder dançar e falar comigo ali, sem estar mais trabalhando… e que cometeu quase os mesmos erros que eu, embora por outros motivos – muito anos depois.

E demorou… demorou muito.

fotos: Buque Escuela Juan Sebastian Elcano

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