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O Amor Tem Cada Idéia..( Cap.20)

Florentino…
Chamava-se Florentino o sujeito escolhido pelo acaso – ou pelo destino – para casar-nos. Uma criatura delgada, de sorriso tímido e olhar úmido. Esse era outro Florentino, mas eu olhava para ele como se fosse o mesmo aquele da minha juventude… Queria imaginar que em breve ele não mais estaria aqui, num pueblo de 500 habitantes no alto de uma colina espanhola e sim navegando por algum rio do planeta, numa viagem sem fim com a sua Fermina.
Estávamos prestes a dizer o “sim, quiero”, olhos-de-mar-azul e eu, respondendo a uma pergunta deste Florentino, depois de todos os séculos que podem estar guardados nos quase 12 anos que vivemos, separados ou juntos, mas unidos num sonho comum de sermos felizes desde aquela primeira troca de olhares e sorrisos.
Nestes anos todos, também havíamos vivido um pouco de cada loucura e desespero dos amantes caribenhos…
Cada vez um de nós pôde ser Florentino, outra vez Fermina… eu até tive minha Tránsito Ariza e seu olhar infantil por dois largos e tristes anos!
Decidi fazer o que já estava querendo há algum tempo. Tirei outra vez o livro da estante. Recomecei a ler, pela quarta vez, O Amor nos Tempos do Cólera. Pela primeira vez em Espanhol. E foi como reviver os meus seis últimos anos nos cinquenta e tantos em que se desenrola o romance.
Mergulhei na linguagem mágica e emocionada de Garcia Marques, sentindo agora na própria pele o passar dos anos – e foram tantos – nas histórias nossas…
Vinte anos depois de ter lido o romance pela última vez era tudo tão diferente! Sabia muito mais agora sobre esperas, sonhos impossíveis, imagem amada colada na cara da lua, espelhos que guardavam segredos…
Guardei novas frases na caderneta da mesinha de cabeceira… grifei outras dores…reconheci como meus os artifícios do amor distante.
Trouxe um pedaço do livro aqui, como um presente para quem ama de longe ou para quem tem um amor do passado prisioneiro em algum espelho da casa…
“Certa noite entrou na Pousada do Sancho, um restaurante colonial de alto nível, e ocupou o canto mais afastado, como costumava fazer quando se sentava sozinho para comer suas merendas de passarinho. De repente viu Fermina Daza no grande espelho do fundo, sentada à mesa com o marido e outros dois casais, num ângulo em que ele podia vê-la refletida em todo o seu esplendor. Estava indefesa, conduzindo a conversação com uma graça e um riso que crepitavam como fogos de artifício, e sua beleza ficava mais radiante debaixo dos enormes lustres de pingentes: Alice tinha tornado a atravessar o espelho.
Florentino Ariza a observou à vontade e quase sem respirar, viu-a comer, viu-a apenas provar o vinho, viu-a tagarelando com o quarto Sancho da estirpe, viveu com ela um instante de sua vida sentado em sua mesa solitária, e durante mais de uma hora flanou sem ser visto pelo recinto vedado de sua intimidade. Depois tomou mais quatro xícaras de café para fazer tempo, até que a viu sair confundida com o grupo. Passaram tão perto que ele distinguiu o cheiro dela entre as lufadas de outros perfumes de suas acompanhantes.
A partir dessa noite, e durante quase um ano, manteve um assédio tenaz ao proprietário da pousada, oferecendo-lhe o que quisesse, em dinheiro ou em favores, para chegar ao que mais lhe apetecesse na vida, desde que lhe vendesse o espelho. Não foi fácil, pois o velho Sancho acreditava na lenda de que aquela preciosa moldura talhada por ebanistas vienenses era gêmea de outra que pertencera a Maria Antonieta, e que desaparecera sem deixar rastro: duas jóias únicas.

Quando por fim cedeu, Florentino Ariza pendurou o espelho na sua casa, não pelos primores da moldura e sim pelo espaço interior, que tinha sido ocupado durante duas horas pela imagem amada.”

Gabriel Garcia Márquez
Imagem: Somewhere in Time

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Pensando em Garcia Marquez…

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía recordaria aquela tarde remota em que seu pai o levou a conhecer o gelo.

Macondo era então uma aldeia de vinte casas de taipa construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos.
O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las havia que apontá-las com o dedo.”

E eu, longe da minha Macondo, de seus cheiros de começo de vida, seus meninos cinzentos e descalços, o barulho dos batuques nas latas, a “La Ursa quer dinheiro, quem não der é pirangueiro”…o calor úmido das margens do rio Capibaribe, os risos, o tum-tum do coração no ritmo das latas… as pedras portuguesas no chão quente do Poço da Panela…

Quanto tempo ?
Agora olha eu aqui… apontando com o dedo para algumas coisas em meu novo Macondo: CLIMA DE CARNAVAL = NEVE
*Foto: no jardim de casa.

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