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Onde está o Amor?

Victor Oliva_Absinthe
Marcia escreve assim:

“Cansado de mendigar amor, emudeceu. Aos poucos tornou-se transparente, diafano. Até que desapareceu. E ninguém, absolutamente ninguém, o percebeu.”

Minha amiga me diz o mesmo.

A linda, loira e alta criatura, desde seus maravilhosos 50 anos, depois de tudo o que já aprendeu na vida, dos belos quadros que pintou, dos três filhos que criou, do grande amor que compartilhou… repete baixinho para que só eu escute: “É que já ninguém me vê. Sou menos que um móvel da casa… estou ficando transparente…”
Às vezes me surpreendo demais com algumas coisas desta vida.

Foto. Absinth Drinker-Viktor Oliva

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Há Dez Mil Anos Atrás…

Às vezes a gente quer mudar de pele. Quer deixar de ser quem é. E começa tentando abolir todos os hábitos de sempre. Deixar de comer o que engorda, deixar de beber o que embriaga, deixar de gostar do que gostava. Parece que tudo que a gente faz é “prejudicial à saúde”.
A televisão vai mostrando a cada noite as belas mulheres que usam cremes tais e quais, tomam iogurte quais e tais, fazem exercí­cios regularmente, usam sempre branco virginal. E a gente quer virar lagartixa e regenerar as partes do corpo que a gente pensa que estão apodrecendo. Parece que a gente quer nascer outra vez.
Começar de novo! Ser a rainha do natural! Ficar jovem para sempre. Mudar-se para Shangrilá!
Ainda bem que esta minha fase já passou.
Ou não? Pois… veremos.
Naquela época, há dez mil anos atrás, entre tudo que eu estava tentando deixar para trás… estava o cigarro.
Então recebi um convite de uma amiga de muitos anos para passar um final de semana em sua casa numa praia distante. Aceitei. Estava mesmo precisando mudar de ares, curtir a brisa marí­tima, relaxar. Outra pessoa foi também convidada. Era amiga da amiga mas eu a conhecia de algumas situações anteriores.
Como há muito tempo ninguém estava utilizando a casa, resolvemos ir antes fazer um check up geral, levar alguém que pudesse limpar tudo e ver o que seria necessário comprar.
Depois de algumas horas de trabalho organizando as acomodações e compras que terí­amos que fazer, sentamos um pouco no terraço da casa, de frente para o mar. A moça convidada tirou um maço de cigarros da bolsa e me pareceu que estava brilhando e piscando como o neón das propagandas de Las Vegas….
Acendeu um deles, soltando a fumaça lentamente, com evidente prazer. Senti uma pontada de desejo. “Uma boa tragada agora seria tão bom!” Pensei.
” Pode me dar um, por favor?” Quase sem pensar estendi a mão para ela e pedi, muito à vontade.
“Não. De jeito nenhum.” Ela respondeu no mesmo tom leve e descontraí­do que eu havia usado.
Soltei uma risada com seu humor. Achei engraçada a sua resposta e continuei com a mão estendida e sorrindo… até perceber que ela estava guardando o maço na bolsa. Baforando na minha cara ela disse séria: “Fumante que se preza, anda com cigarro.”
Juro que eu não estava acreditando!
É sério? Insisti desconcertada, ainda tentando sorrir.
Serí­ssimo. Só tenho três na carteira e não vou dar nenhum. Quem fuma que leve seus cigarros! Ela continuou.
Gelei. Nunca imaginei que ela estava negando-me o cigarro “à vera”, acostumada que estava às amigas que tinham senso de humor para brincar de negar favores enquanto os estavam fazendo. Eu tinha uma amiga que sempre que pedí­amos a ela uma informação ou que nos trouxesse alguma coisa da cozinha enquanto jogávamos baralho, ela respondia “Claaaaaro que não!” Rí­amos todas. E na mesma hora ela trazia o que haví­amos pedido ou respondia o que haví­amos perguntado.
Paralisada. Foi como eu fiquei com a resposta da moça. Pensei que era impossí­vel que um fumante negasse um cigarro a outro fumante (ou quase ex-fumante. Que mais dá?) principalmente se estávamos longe de qualquer lugar onde pudéssemos comprá-lo de imediato.
Na minha cabeça, se eu tivesse um único cigarro o dividiria com alguém que não tivesse nenhum e então ambos terí­amos um problema: procurar onde comprar mais.
A vontade de fumar estalou no cérebro com uma força descomunal. A raiva e o desconcerto pintaram de roxo a paisagem. Saí­ andando pela praia até a estrada de asfalto atrás de um lugar onde pudesse comprar o meu miserável e querido ví­cio. Vinte minutos depois encontrei um bar safado, desses de taipa pintada de branco e chão de terra batida. Tinha todo tipo de cachaça, cerveja e caranguejo. Mas cigarros não tinha.
Fui informada que o lugar mais perto onde poderia encontrá-los era na padaria, uns três quilômetros adiante.
Voltei para casa sob o sol abrasador, a vista embaçada por um véu de um violeta-ataúde. Peguei a chave do carro de minha amiga e disse ” Vou ali, já volto.” Não quis demorar-me em explicações. “Onde vai?” Minha amiga perguntou. “Comprar cigarro.” Respondi entre os dentes já entrando no carro. Afinal ela não merecia meu mal humor.
Quando eu estava fazendo a manobra para sair, lá vem a minha amiga com um dinheiro na mão. “Dá para você comprar também para….. fulana?”. (Vamos apelidá-la de fulana? É que essa criatura não merece o belo nome que tem.)
Meu coração cheio de fel respondeu “Não, não dá.” Mas minha boca não obedeceu, e respondi com voz esgarçada de seda lilás. “Claaaaro que sim!”
Minha filha, que estava comigo todo o tempo, dizia que “se fosse ela não comprava de jeito nenhum. Mandava a outra sair para comprar, se ela quisesse.”
Respondi-lhe que não iria jogar lenha na fogueira da minha raiva. Que seria estragar o dia de todos. “Melhor não aumentar a história.” Argumentei.
Assim, comprei cigarros para ela e para mim. Deixei o seu troco e maço sobre a mesa, troquei de roupa e fui dar um mergulho, esfriar a cabeça.
Nem “obrigada” ela me disse, quando voltei.
Passei o resto do dia monossilábica. Não consegui relevar a grosseria da criatura. Mas o trabalho terminou e voltamos para casa.
Pois… depois disso pensei duas vezes se iria ainda aceitar o convite para o final de semana, mas não deu mais tempo de recusar. A minha amiga já havia feito as compras e tí­nhamos apenas que pagar a ela nossa parte. Não ia dar tanto valor assim a um simples cigarro negado, pensei. Mas não estava conseguindo esquecer. O fel foi se acumulando na alma.
No final de semana seguinte, estávamos lá outra vez. Levei um pacote com DEZ maços de cigarros. Havia voltado a fumar com toda a voracidade de quem recomeça a alimentar um ví­cio de muitos anos. É muito pior voltar a fumar do que nunca haver tentado deixar.
Tentei tratar a moça da mesma forma que antes do incidente, mas meu coração já estava frio para ela. Fui educadamente distante por todo o final de semana. Seus assuntos já não me interessavam. Sua risada me parecia falsa. Seu egoí­smo aparecia em cada mí­nimo comportamento. Só para dar um exemplo: A moça levou uma rede. Pois ela pendurava-a apenas quando ia utilizá-la. Quando saí­a, desmontava e guardava dentro do “seu” quarto.
Não relaxei. Não diverti-me. Sua companhia em todos os momentos dos três dias incomodou-me profundamente.
Ao final do domingo, depois que tudo já estava arrumado para irmos embora, minha amiga resolveu servir um último cafezinho, com biscoitos de maçã e canela. Sentamos em volta da mesa e nos servimos. Ela abriu a bolsa e tirou seu maço de cigarros, abriu-o…. e estava vazio.

Meu coração parou. A cena ficou em câmara lenta para mim. O café fumegante nas xí­caras, os biscoitos quentinhos nos pratos, meu maço de cigarros sobre a mesa ao meu lado… e ela SEM CIGARROS!
Pensei se ela teria coragem de pedir-me. Pensei que se o fizesse eu teria a magní­fica chance da roda da vida de negar-lhe. “Fumante que se preza, anda com cigarro!” eu diria sorrindo angelicalmente. Acenderia um para mim e daria uma baforada que enevoasse toda a sala…
Uau! A rainha da prepotência sem cigarros num domingo de tarde, depois de um cafezinho com biscoitos!!?
E a padaria fechada!?
Era perfeito! Lavaria minha alma do fel que a turvara por toda a semana. Oh! Deus! Como o mundo gira rápido!
Enquanto pensava vi por trás da névoa de um filme antigo em preto e branco ela estender a mão para o maço ao meu lado, abri-lo e tirar um… “Meu cigarro acabou, AMIGA. Vou pegar um dos seus, viu?” disse sorridente a bruxa má.
“AMIGA”? Ela sabia lá o que era isso? Pensei, com o veneno escorrendo pelo cantinho da boca.
Em um segundo a névoa se desfez. A cena voltou a velocidade normal da vida real.
“Fique à vontade” respondi muito séria. Agelicalmente séria.
Tum! Fiquei surpresa comigo mesma! Como assim? Como pude deixar escapar uma oportunidade como essa?
Minha filha olhou para mim incrédula. Sua cara me questionava “mãeee?”
E de repente eu percebi uma estranha sensação de alegria, de paz interior. O fel que turvara minha alma desapareceu. A raiva que eu estava dela sumiu. O desprezo que ela me inspirava esvaiu-se na fumaça de nossos cigarros sobre a mesa.
Eu estava aproveitando o momento, saboreando o prazer de não ter sido igual a ela. Estava contente comigo mesma.
De repente meu café ficou mais gostoso. A tarde mais bonita. Meu corpo mais leve.
Desfrutei destas sensações por um longo tempo…
Voltei para casa cantarolando “como uma onda no mar…”
Ela nunca se transformou numa amiga. Naquela tarde desisti dela. Pulverizei sua existência num passado longí­nquo.
E  este ano eu vou deixar de fumar. De verdade!
O mundo nem sempre gira tão rápido como gostarí­amos. Mas gira!

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