Arquivo do mês: maio 2006

E Haja Saudade…

De vez em quando o Brasil se esquece – ou finge que esquece – que anda enfermo, ferido, magoado, perdido de sonhos e esperanças e me envia ventos perfumados, brisas sonoras, beijos com gosto de caldo de cana gelado.

Amigos me presenteiam com seus poemas, romances, músicas, notícias sem siglas, sem sangue, sem vergonhas e humilhações… só saudades em cartas escritas a mão, como antigamente, com direito a envelope e selo carimbado…
É mel direto no coração!
Eu deixo que me mimem.
As dores e medos já vem sozinhos, em largas golfadas de enxofre expelidas pelos noticiários, internet, jornais e televisão. Delas, nem aqui no meu monte de coelhos e raposas, eu escapo.
Desde que morri e renasci, entretanto, deixo que – apesar de tudo, seja o que for esse tudo – me mimem.

Pois sim…
Desta vez a dose de mel foi grande demais. Uma amiga brasileira, que vive há muitos anos em Madrid e que eu só descobri por acaso no ano passado, deu-nos convites para a estréia de um filme. “Vinicius de Moraes: Quem Pagará o Enterro e as Flores Se Eu Me Morrer de Amores”, de Miguel Faria Jr.

Fui.
Borboletinhas fazendo “fruf-fruf” na boca do estômago…

Sentada numa das poltronas do clássico Cine Avenida, na Gran Via, meu coração derretido cantava em silêncio cada canção de Vinícius, meus olhos úmidos comiam cada paisagem do Rio de Janeiro, meus ouvidos guardavam cada depoimento de seus amigos, parceiros, parentes, – ai, Chico…meus sais! Vem sorrir lindo assim aqui, vem! – minha alma reconhecia cada poema declamado.
A cada lembrança, uma saudade dos tempos… deles e meus.
Vinícius foi meu primeiro poeta. Cresci com seus livros agarrados no peito e sabia muitos dos seus poemas de memória. Cantei todas as suas músicas, por toda a minha vida…
Amei para sempre, antes de saber que o para sempre, sempre acaba. Mas aprendi também que o amor vivido, se foi amor, não morre, só adormece. A gente guarda ele ali, num cantinho da memória. Ele desencarna… mas não desaparece. Amores vividos jamais a gente esquece. E isso deve ser a eternidade…
Em um 9 de julho chorei sua morte como a de um amigo querido. Depois, passei um tempo sem poder ouvi-lo ou ler a sua obra. Dava um nó no meio do estômago e a melancolia enchia minha alma.
Aos poucos a dor foi dando lugar a uma linda e gostosa nostalgia… até que nunca mais se separou delas.
Hoje, quando leio ou escuto Vinícius, sinto mais do que um simples admiração pela sua obra. Sua poesia e sua música estão irremediavelmente entramadas com minha vida, desde a infância.

Elas provocam-me sentimentos mais íntimos, como se soubessem e dissessem muitas coisas de mim.
Faz-me sentir esse leve rufar de asas de mariposa no coração, respirar um perfume de adolescência que se espalha pelo ar, junto com vagos traços de rostos de antigos namorados, nomes e caras de amigos perdidos pelo tempo, casas, árvores, praias, assobios de meu pai e seu jeito de lorde… mares mansos e verdes… os sorrisos lindos da minha mãe e seus ares de menina e princesa!
Um tudo de cor e alegria invade minha alma e minha cara vira “tela de cinema”.
Se algum-alguém tivesse a capacidade ou o dom para assistir meu filme, veria que belas imagens…

Mas não… parece que ele passa só pelo lado de dentro.
É por isso que eu venho aqui e escrevo.
………………………………….

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal…
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto…
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo…
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançara um punhado de sal
Na minha cova de cimento?

Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada…
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

Vinícius de Moraes
Rio, 1950
……………………………………………
Ninguém, meu velho e querido amigo.
Mas prometo não deixar-lhe morrer…

Ensinarei suas músicas aos meus filhos e netos, escutaremos juntos pelas madrugadas, presentearei seus livros aos amigos, e com eles rememorarei seus poemas em noites de grandes luas.
Estreitarei você no peito até o infinito.

…eternamente sua enamorada.

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Mais um Toque de Beleza …

Esta é uma época em que fico menos disposta a passar meu tempo diante do computador. A primavera está explodindo por toda parte. As amapolas estão invadindo todos os campos e dividindo protagonismo com centenas de flores silvestres de cores e formas distintas.
Claro, ela é rainha. Sua singela forma é plenamente compensada pela cor rubro-extravagante. Ela é como um splash vermelho no meio do verde, amarelo e branco, rosa, violeta e azul das outras florzinhas lindas dos meus caminhos.
Ela é, em parte, a responsável pela minha ausência do blog. Venho aqui meio de passagem, leio uma coisinha ou outra e um cheiro delicioso de mato vem pela janela e me chama… e eu vou. Vivo lá fora, caminhando, plantando, aguando, passeando…
Dia desses, ele e eu resolvemos sair por aí, quase sem destino certo. Digo quase porque tínhamos apenas uma idéia em mente: tentar seguir umas das rotas dos Pueblos Negros de Guadalajara. Esses pequenos lugarejos ficam na serra norte-ocidental da província e são mais antigos que a presença romana na Península Ibérica.
A arquitetura popular desses povoados é única na Espanha, pois consiste em conglomerados de casas, currais e armazéns de cereais totalmente construídos de ardósia, com sua coloração escura, cinza-azulada ou negra, abundante nessas serras.
Resolvemos o passeio em cima da hora e não tínhamos muita informação, mas resolvemos arriscar, de qualquer forma.

Montamos um kit-excursão-sem-destino: uma mini geladeira com cerveja, água e coca cola, alguns sanduiches de pão artesanal com morcilla e chorizo, biscoitos, manta, canivete mil-e-uma-utilidades e um mapa.
Ah!… e música boa e variada para encantar qualquer estrada.
Entramos e saímos de muitos pequenos povoados ao longo da serra. E NADA DE CASINHAS NEGRAS!
No início do passeio não vi nada distinto aos outros minúsculos pueblos quase despovoados de Castilla La Mancha. Exceto por suas imponentes igrejas românicas, o resto das construções não chamavam qualquer atenção e as casas não apresentavam nenhum indício das famosas e populares pedras-ardósia.
Em Hita ( fotos acima) nos encontramos com la Puerta de los Caballos e pedaços de uma muralha medieval, além de um singelo relógio solar em plena praça.
Também havia uma grande plaza de toros, só que ao contrário do que se vê hoje, todas redondas, essa era retangular, o que indica que a cidade mantém a tradição das Plazas de Justas medievais, onde se celebravam os torneios e jogos durante a idade média.
Ao ver a grande porta da cidade, percebe-se a intenção de recuperar lugares históricos do povoado para atrair também os turistas que trafegam por aquelas pequenas e estreitas estradas.
Em Cogolludo ( que nome! ) nos encontramos com um palácio renacentista do século XV, dos Duques de Medinacelli, que – dizem – foi o primeiro desse estilo a ser construído em Espanha e por isso é precursor das mudanças arquitetônicas dos castelos medievais.
Tentamos buscar informações na oficina de turismo que estava ao lado da grande praça diante do palácio, mas estava fechada. Hora de la siesta.
Tá. Em um feriado internacional, a oficina de turismo fecha para “la siesta”.
Estamos na Espanha, lembram?
Tudo bem. Subimos as estreitas ruas em direção à Igreja de Santa Maria, construída no século XVI. Também estava fechada. Bingo!
Eu já estava ficando com fome e resolvemos parar perto de um rio e fazer o lanche programado.

Isso sim… relaxadamente. Sem pressa e sem agonia.
Afinal saímos para passear, investigar… e nada de estresse só porque as coisas não estavam saindo como a gente imaginava.
E depois, com olhos-de-mar-azul ao lado, qualquer programa, por mais simples que seja, fica gostoso.
Sabe quando a gente está em um lugar e pensa: ” que bom ter um amor de verdade com quem compartilhar as coisas mais simples” e olha para o lado e não é apenas um sonho, um desejo… É justamente isso que a gente tem?! De verdade.
Que privilégio da vida!
Adoro estar com ele e trocar impressões sobre os assuntos do jornal, a música que está tocando ou o livro que cada um está lendo. Adoro fazer planos mirabolantes com um dinheiro imaginário que ganharemos – um dia – na loteria. Adoro estar fazendo planos para um casamento, com viagem de lua de mel incluída, que eu sequer imaginei ou desejei nos últimos 20 anos de mulher separada. Mas agora estou gostando da ideia.
Ainda não temos a data, mas qualquer dia destes os papéis ficam prontos e pimba! Casaremos. He he he…
O melhor de tudo: continuo perdidamente enamorada pelo sujeito do sorriso tarja-preta que vi naquela bendita festa há 11 anos atrás.
Qualquer dia conto mais desta história…
Bueno…voltamos ao mapa e escolhemos ir a Valverde de los Arroyos. Não sabíamos o que nos esperava, mas a esta altura não nos importava muito.

A medida que subíamos mais a serra, a paisagem ficava ainda mais bonita, a estrada mais estreita e antiga e estávamos tão relaxados que resolvemos aproveitar o que encontrássemos. Esta seria apenas uma primeira excursão para arrecadar informações.

 

 

Foi uma boa escolha. Valverde de los Arroyos é um pueblo encantador. Muito procurado pelos turistas para ser um ponto de apoio das excursões a pé pelas muitas trilhas, cascatas e florestas de pinhos que a circundam.
Este povoado é um dos mais conhecidos da região e muitas casas já foram reformadas e transformadas em pequenos hotéis de turismo ecológico ou restaurantes. Outras foram transformadas em chalés de final de semana das famílias de Madrid ou Guadalajara, pois no inverno há pistas para esquiar e no verão pode-se seguir muitas trilhas de montanhismo. Essas oportunidades levam muitos visitantes , tanto espanhóis como estrangeiros, ao lugar.
É um dos Pueblos Dorados da serra e pertenceu nos século XIII ao Señorío de Galve.
A diferença é que suas casas tem os telhados cobertos pela ardósia negra, mas suas paredes são construídas com pedras de vários tons de marrom que, sob a luz do sol, refletem tons dourados.
A arquitetura das antigas construções é mais ou menos a mesma, sem janelas e apenas com pequenos orifícios para entrada de luz e ar, insuficientes para deixar entrar o frio dos largos e duros invernos da região, os currais e armazéns adosados às casas, demonstrando a forma simples de viver dos antigos pastores de cabras e ovelhas, cujas famílias dividiam com os animais o mesmo espaço físico, separados apenas por baixos muros de pedra.
Os quartos eram cubículos minúsculos e escuros. O lugar nobre dessas casas era a cozinha onde reinava uma enorme lareira de pedra em constante utilização. Diante dela a vida da casa acontecia.

Muitas delas estão em ruínas, mas é possível encontrar ainda casas dessas em plena restauração.
Algumas prefeituras estão incentivando com ajuda financeira a que os moradores mantenham a arquitetura original de suas casas, pelo menos na fachada, evitando desvirtuar o conjunto arquitetônico da cidade.
Essa estrutura arquitetônica popular não é muito diferente das casas de taipa que ainda podemos ver no interior de Pernambuco, onde chiqueiro, galinheiro e curral também são peças coladas às pequenas habitações de seus donos. Só muda mesmo o material utilizado em sua construção. Enquanto as nossas são de taipa e madeira, as daqui são de madeira e pedra.
Ainda não desisti de visitar os Pueblos Negros. Queremos explorar mais esta região e já compramos um guia sobre as várias rotas onde encontrá-los. Assim que pudermos vamos montar outro kit-excursão: tortilla de patatas, jamon serrano, vinho tinto, música boa, câmara fotográfica…e a vontade de passar bem.
Fico devendo umas fotos. Demoro mas cumpro!

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Enquanto isso…

No cantinho de blogar de Santorcaz eu estou preparando um post sobre um “Pueblo Dorado” que fui visitar, na província de Guadalajara.
Tirei esses dias de feriado para dar uma passeada por aí e não fazer nadica de nada em casa. Tá tudo desarrumadinho… e eu tranquííííílaaaaa.
Aí fui no blog da Denise, o Sindrome de Estocolmo, um dos mais gostosos da blogosfera e ela sugeriu um post com a foto do “Lugar de Blogar” .
Como eu gosto muito do meu, aderi.
Tá faltando só a caneca de café fumegante que sempre me acompanha.
Voltarei com um post lindo sobre os pueblos pre-romanicos da Sierra de Ayllon e umas trilhas que estou descobrindo.
Depois que deixei de fumar (oito meses já! uia!) e comecei a Yoga ( seis meses! como o tempo voa!) ando mais animada para esses programas ecológicos.
Pernas mais seguras, mais equilíbrio, maior flexibilidade.
Respiração mais tranquila…

Bueno, conto o passeio no seguinte post.
Por enquanto vejam que cantinho agradável… pena que a conexão lenta teste minha paciência todos os dias!
Ainda não consigo ficar zen diante da lentitude dessa minha tartaruga pre-histórica…

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