Baú de Cultura

Uma lição de vida… por Chimamanda Ngozi Adichie.

Um dia assisti estes vídeos com uma palestra desta jovem escritora nigeriana e me encantei. Chama-se ” O PERIGO DE UMA ÚNICA HISTÓRIA”
Guardei o link para voltar a vê-los, uma ação que repito sempre que algo me impresiona à primeira vista. Gosto de saber como reajo a um segundo ou terceiro contato.
Cada vez que os vejo, mas gosto deles. E mais quero comparti-los.
É uma pena perceber como as vítimas da educação para o desconhecimento e a crença numa “meia” história deixam-se levar , entre gritos raivosos ou silêncios condescendentes, para a ignorância sobre si mesmos, sobre o seu povo, seu país, seu passado e seu futuro.
Claro está que há um motivo: para os governantes é mais fácil manipular gente assim.
Hoje o dia está estranho, nublado e quente. Acho que vou ali na Fnac comprar o livro desta inteligente criatura.
Depois conto.

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Mario Benedetti.

Estava longe de mim quando soube a notícia. Não quis saber o que fazer com ela.
Hoje saquei do fundo do coração a saudade, as lembranças das muitas noites insones com seu Inventário, copiando no caderno de “especiarias” os poemas preferidos.
O caderno era o meu blog no século passado. Tinha uma capa dura de cor cinza em que se podia ver uma fotografia de pequenos troços de pano com as bordas chamuscadas. Sobre eles estavam dispostas uns montículos de espécies: cravo, canela, pimenta, noz moscada.
Talvez ele tivesse a missão de ser um caderno de receitas, mas para mim ele sugeria que guardava tesouros, pois as espécies é que, na antiguidade, protegiam os alimentos de se estragarem e acendiam os sabores dos mesmos.
Como a cozinha não me seduzia, interpretei a mensagem como uma insinuação simbólica: preservar; sabores sutis; manutenção de propriedades; perfumar… e por aí.
Pois era ali que eu colava recortes de revistas, copiava poesias dos meus queridos, guardava letras de músicas, escrevia pequenas reflexões e textos pessoais.
Meu caderno sumiu em uma das mudanças. O Inventário de Benedetti foi roubado muito antes. Sei até quem foi o ladrão.
Agora eu estou fazendo o mesmo no blog. O bom é que aqui eu compartilho o que antes era trancado na gaveta da cômoda.
Então…
Uma das primeiras poesias que publiquei no Impressões foi de Benedetti. Era um Pai Nosso lindíssimo. Vou procurar em meus baús.
Por enquanto deixo o registro, como uma homenagem a ele, uma linda interpretação de Te Quiero, com Nacha Guevara.

Te quiero
Tus manos son mi caricia,
mis acordes cotidianos;
te quiero porque tus manos
trabajan por la justicia.
Si te quiero es porque sos
mi amor, mi cómplice, y todo.
Y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos.
Tus ojos son mi conjuro
contra la mala jornada;
te quiero por tu mirada
que mira y siembra futuro.
Tu boca que es tuya y mía,
Tu boca no se equivoca;
te quiero por que tu boca
sabe gritar rebeldía.
Si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo.
Y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos.
Y por tu rostro sincero.
Y tu paso vagabundo.
Y tu llanto por el mundo.
Porque sos pueblo te quiero.
Y porque amor no es aurora,
ni cándida moraleja,
y porque somos pareja
que sabe que no está sola.
Te quiero en mi paraíso;
es decir, que en mi país
la gente vive feliz
aunque no tenga permiso.
Si te quiero es por que sos
mi amor, mi cómplice y todo.
Y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos.

Mario Benedetti

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O Escafandro e a Borboleta

O escafandro e a borboleta- o livro
Quando ganhei esse livro, em 2001, vivia no Brasil, estava me recuperando de uma depressão e minha mãe estava desaparecida em si mesma, numa enfermidade carnívora. Uma doença que vai tirando da pessoa tudo que é dela, até suas lembranças mais viscerais. Depois ela transforma a pessoa em uma casca vazia, só mata depois que destroi tudo.
Quando soube que o livro contava a história de um jornalista francês que havia sofrido um acidente cerebral e que havia escrito o relato piscando um olho para as letras do alfabeto que uma enfermeira lhe mostrava, não tive coragem nem de abri-lo.
Guardei o presente para ler em outra época. Eu estava tão fragmentada ainda. Tinha um medo horrível de entrar no túnel escuro da tristeza sem nome… precisava cuidar mais das minhas emoções e tinha consciência da fragilidade da minha saúde afetiva.
Aliás, essa foi uma aprendizagem da época. Aprendi a cuidar mais de mim. Aprendi a perceber quando estou mais sensível, mais vulnerável… e evitar expor-me a sensações muito fortes.
Mas… um dia desses, arrumando as novas estantes da casa, encontrei o livro. Li a dedicatória carinhosa da amiga brasileira e criei coragem, abri a primeira página e comecei a ler.
E não parei mais até que o terminei. Li de um só fôlego.
Foi fantástico ver o mundo através de sua experiência. Uma hora com humor, outra emudecida pela impotência, outra ainda entre lágrimas de saudades das coisas mais simples, como estender a mão e fazer uma carícia…

Vou contar um pouco a história.
Jean Dominique Bauby, um jornalista francês, bem sucedido, jovem pai de dois filhos e cheio de energia, sofreu um acidente vascular cerebral com pouco mais de quarenta anos, entrou em coma e quando saiu deste estado percebeu que sua mente estava quase intacta… mas o único que havia perdido era a conexão com seu próprio corpo.
Estava completamente paralisado, numa síndrome chamada “locked-in”, que significa “trancado em si mesmo”.
Não podia mexer-se, comer, falar, nem sequer respirar sem ajuda de uma máquina. Apenas um olho se mexia. Ele piscava. Uma vez para dizer sim e duas para dizer não.

Com esse único movimento físico ele decidiu se comunicar com o mundo, seus filhos e seus amigos e contar que estava vivo, que pensava sair daquela prisão e queria que soubessem o que ele sentia lá dentro de sua cabeça e de seu coração.
Para isso ia piscando e indicando as letras que iriam formar as palavras e frases de um livro espetacular de 140 páginas.
Emocionada, fiquei me lembrando dos monólogos que tive com a Princesa, durante seu último ano de vida, desejando que dentro dela estivesse escondida a mulher que ela era. Recordei as histórias que eu lhe contava, as músicas que cantava, as sinfonias e concertos que fazia tocar no som de seu quarto, baixinho, para que pudesse escutá-las mais uma vez.
Às vezes eu tinha a impressão que algo em sua expressão mudava…
Era só uma impressão?
Talvez.
Aprendi muito sobre a vida com a morte da minha mãe. Eu já disse muitas vezes e vou repetir, minha mãe me pariu outra vez quando morreu.
Não quero que isso seja visto apenas como um drama particular, embora sua morte tenha sido dramática para mim. Estou falando de como reaprendi a viver.
Estou falando de aprender a dar o valor real à vida e tomar consciência de sua fugacidade.
Aprender a valorizar a memória, a imaginação, a capacidade para mover-se, ler um livro, escutar uma música, abraçar um filho, um amigo.
Aprender a valorar mais as relações e menos as coisas. Agora. Enquanto é possível.
Estou falando em ter consciência disso on line, durante a ação.
Saber que este é um privilégio que algumas pessoas perderam num segundo… e que a gente não tem sequer a noção do que significa essa perda.
Cena do filme "O escafandro e a Borboleta"
Bauby também ensina os verdadeiros valores da vida desde sua prisão – seu corpo – um escafandro, como ele o chama… e de sua alma, a borboleta com a qual ele voa, visita seus filhos, viaja pela Paris que adora, toca e beija seus queridos…
É impossível ser o mesmo depois de ler seu livro. Não é ficção, é real. Aconteceu de verdade…
Só não reflete e aprende quem for impermeável.
Descobri, cafufando a Internet, que rodaram um filme em 2007 que foi indicado a 4 Oscars. Como assim? E eu não vi!
Pois sim. Em 2007 eu estava vivendo lá no meu monte, longe de… quase tudo.
Aposto que ele não passou no pequeno cinema da praça de Los Santos Niños, em Alcalá de Henares.
Li algumas críticas excelentes. Vou tentar encontrá-lo em uma locadora por aqui por perto. O diretor é o mesmo de Antes do Anoitecer, um de meus filmes queridos, e trata o tema com delicadeza, fugindo do dramalhão piegas hollywoodiano em que se transformam excelentes livros.
E sou fã do cinema francês.
Mas um para minha extensa lista de perdidos…

 

(Le Escaphandre et le Papillon – França / EUA, 2007 / Brasil 2008 – 112 min)

Direção: Julian Schnabel.
Roteiro: Ronald Harwood adaptando livro de Jean-
Dominique Bauby
.
Elenco: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Anne Consigny, Max von Sydow, Marina Hands, Isaach De Bankolé.
Gênero: Drama, Biografia.

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O mundo virtual é tão real…

Vejam só onde pode chegar um blog, mesmo um tão pouco conhecido como o meu. Durante todo o tempo que escrevi sobre a Espanha, nos antigos endereços principalmente, recebi mensagens de pessoas que guardavam meus posts para utilizá-los em suas viagens. Algumas delas mudaram completamente o roteiro de suas férias europeias e vieram aproveitá-las em algumas cidades que eu tinha visitado. Era uma delícia comprovar que o que eu estava vivendo emocionava e inspirava uns viajantes brasileiros.
Alguns textos pessoais também fizeram alguma história pelo mundo virtual. Um dia, recebi por e-mail um spam que era um texto meu, Neura de Mulheres. Dizia que o autor era desconhecido. Respondi para o remetente, assumi a autoria do mesmo e agradeci a divulgação.
Depois disso, durante um ano inteiro, recebi dezenas de cópias do mesmo texto, já com meu nome. Fiquei contente que uma cronica minha tivesse se transformado em um spam. Significava que um bocado de gente se identificava com ela. Gostei.
Outro texto comentado por muitos é A Casa e O Rio. Fiz amigos através dele. Infelizmente os comentário ficaram perdidos quando salvei o arquivo de um apagão, mas os amigos ficaram. Conheci pessoalmente vários deles.
Sonja, uma brasileira que vive há mais de 20 anos na Inglaterra, foi a primeira. Quando nos encontramos, em Londres, ela confessou-me que estava emocionada por estar tomando um café com a “escritora” da cronica que ela mais gostou de ler em todos os blogs que havia visitado. Disse-me que chorava sempre que o relia e que o havia enviado para todos os seus amigos. Engasguei com o café quando ela me chamou de escritora. Quem me dera! Quase que choro eu!
A história de amor que me trouxe à Espanha é outra das grandes atrações desse blog. Tenho uma porção de amigos, aqui e no Brasil, conquistados depois que escrevi como tudo se passou. O drama e a graça dos encontros e desencontros entre Ele e eu seduziram e fascinaram os leitores de uma forma que me surpreendeu e inspirou. Escrevi dez capítulos! Cada vez mais gente me pedia para continuar. E eu continuei…
Até hoje isso acontece. Gente que chega por acaso aos arquivos do Língua de Mariposa através do Google, lêem os posts sobre a Espanha ou sobre a depressão, ou ainda sobre um livro ou filme que indico e me escrevem encantados e agradecidos. E me pedem para continuar…
Que maravilha! Eu adoro, viu!
É por isso que sempre volto.
Pois hoje quero comentar publicamente um desses prazeres. Mais de um ano atrás recebi uma mensagem eletrônica de uma artista, Clarissa Garcia, que vive no Poço da Panela, um bairro histórico da cidade do Recife.

Ela é antropóloga, além de artista plástica.

Ao ler A Casa e O Rio, emocionou-se muito e pediu-me para usá-lo em um projeto da tese de doutorado que ela estava escrevendo sobre os moradores do bucólico bairro onde vivi, quase inteira, uma das minhas vidas. Eu concordei.
Depois de um tempo ela perguntou-me se eu conhecia um artista amigo seu, pois achava que eu já havia ido à sua casa, jantar. Imaginem!
Pois fui mesmo. Tive um breve affair com o artista amigo dela e uma noite ele me convidou para jantar com um casal de amigos no Poço.
Tenho uma boa recordação daquela noite, junto à gente inteligente, simpática e agradável, embora esta lembrança estivesse guardada nos escondidos da memória. Clarissa reavivou-a e senti uma enorme alegria por saber que a lembrança que ela tinha de mim também era boa.
Agora a artista “está montando uma espécie de galeria em sua casa que vai funcionar como um clube para amigos e curtidores dessas coisas todas: tem uma biblioteca, filmes para assistir, fotografias para olhar e para vender, amigos com violão, quadros, cerveja, whisky e delícias para comer, etc.” em suas próprias palavras.
Não posso deixar de compartilhar isso com meus amigos do Brasil… é tudo que mais gosto na vida. Livros, filmes, fotos, música, um “visquizinho com gelo” e comidinhas gostosas. Ainda mais com a artista ali mesmo, juntinho! Tudo isso dentro do coração do Poço da Panela, bem diante da Igreja onde mora o Lorde e por onde passa o rio da minha história!
Imperdível!
Quem quiser conferir é só ir lá na Rua Álvaro Macedo, 54. A rua fica em frente à igreja e a “casa é vermelha, com um terraço em cima”.
Antigamente era aí mesmo que funcionava o famosíssimo e maravilhoso Bar da Beata.
Parece que que a casa, que tem alma boêmia, quer seguir sua missão. Clarissa vai ajudar…
É de bom tom dizer que foi indicado pela Nora Borges, do Língua de Mariposa.
Acho que ela vai gostar.

Por enquanto, quero apenas que conheçam o trabalho desta maravilhosa artista que retrata e pinta o Poço da Panela com extrema sensibilidade, bom gosto e inegável talento.
Queria que o Lorde pudesse ver nosso antigo e querido bairro, tão bem representado pela excelente qualidade de seu trabalho.
Há tanta coisa que eu queria mostrar ao  Lorde, se pudesse.

Desde que vivo na Espanha sinto uma saudade diferente dos meus pais.
Cada vez que vou a um lugar particularmente bonito, quero repartir com eles minha imagens.
Muitas vezes, infinitas vezes, penso em ligar para a Princesa para contar-lhe algo, compartilhar minhas emoções. Por uma minúscula fração de segundo esqueço-me que ela está morta, que não posso chamá-la por telefone, nem rir com ela, nem escutar sua voz e sua lindas risadas.
Então tento me conformar e dedico-lhe silenciosamente o meu momento.
Decidi dedicar esse post a eles, ao Lorde e à Princesa porque eles adorariam conhecer o precioso trabalho de Clarissa Garcia, essa artista que ama o Poço do Panela como eles o amavam e como eu amo até hoje: apaixonadamente.
Dedico-o também a você, Clarissa… e à sua mãe.
Assim que eu estiver no Brasil, irei à Casa Vermelha do Poço da Panela.
Pode esperar!
Se ainda não entraram no link da artista, entrem AQUI para visitar a exposição virtual das fotos pintadas. Sáo bárbaras!

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Ela disse…

“Não se nasce mulher: torna-se.”
Simone de Beauvoir

E eu completo com as seguintes imagens para dizer que não nos tornamos uma mulher. Nos tornamos várias. Somos eternas mutantes.
Somos todas.

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Uma Cigarra Espanhola…

Ele canta. E canta maravilhosamente!

Essa interessante criatura chama-se Diego,” El Cigala”.
Bonito não é. Mas tem um charme inegável quando se apresenta. Diego é um dos grandes nomes do Flamenco cantado em todo o mundo.
O Flamenco é um gênero musical que espelha perfeitamente a personalidade espanhola: dramática e passional.
Graças aos traços fortemente marcados pela passagem árabe e cigana na Península Ibérica, a Espanha possui essa riqueza cultural que esbanja por todas as suas expressões artísticas.
Comecei a gostar da música flamenca escutando Paco de Lucía, no Brasil.
Depois que cheguei em Madrid, fui escutando outros, entre eles Camarón de la Isla, um mestre do gênero. Agora sou uma enamorada do canto, da dança e do toque flamencos. Estrella Moriente é uma das minhas favoritas. Escreverei sobre ela em outra ocasião.
Pois sim…
Diego é um apaixonado pelo Flamenco. Vive, chora e canta Flamenco por todos os poros. Eu adoro como ele se transforma enquanto está cantando…

Mas o interessante é que ele conquistou meu coração justamente quando gravou, junto com o extraordinário pianista cubano Bebo Valdez, um CD encantado: Lágrimas Negras.
Não é um disco de Flamenco, mas ele interpreta as músicas com seu jeito chorado de dizer as canções, que eu adoro.
Ai, meu Deus… é de arrepiar!
Ele, inclusive, interpreta Eu Sei Que Vou Te Amar, de Vinícius de Moraes, com uma participação especial de Caetano Veloso recitando a letra de Coração Vagabundo em vez da poesia de toda a vida, O Soneto da Fidelidade
Comprei e ouvi todos os dias… até poder cantarolar com ele todas as músicas do CD.
E atualmente é um dos meus melhores CDs de música popular. *Qualquer dia destes eu faço uma “apresentação” dos meus preferidos aqui.
A paixão foi tão grande que levei-o como presente para todas as amigas pernambucanas. Depois de um tampo eu vi que o projeto ganhou muitos prêmios internacionais e transformou-se num grande êxito em concertos por todo o mundo. Quem me dera ver um!
Por um tempo o show ficou em cartaz no Calle 54, em Madrid. Mas eu não pude ir.
Na época publiquei no Impressões, meu antigo e desaparecido blog, um post sobre ele. Vou fazer melhor agora. Vou deixar aqui uma marca mais forte. Um vídeo onde Diego e Bebo interpretam a música título do CD.

Boas Notícias!!! El Cigala acaba de lançar seu mais novo trabalho. Chama-se Dos Lagrimas.
Segundo li no jornal, é uma continuação do Lágrimas Negras. Claro que eu vou comprar JÁ!

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Antônio Nóbrega em Madrid.

Esta cidade me dá cada alegria!
Um vez me deu de presente uma noite com Vinicius de Moraes através de um belo filme chamado Quem Pagará o Enterro E As flores Se Eu Morrer de Amores. Chorei como uma “Madalena” enquanto escutava todas as canções de minha adolescência, mas voltei para casa com a alma lavada.
Tem choro que não causa dano, hidrata.

Essa semana fui mais longe. O contato foi de terceiro grau! Tive o enorme prazer e sorte de poder participar de uma oficina musical com o artista brasileiro Antonio Nóbrega. Assim, carne e osso, pertinho, numa classe quase particular de cultura brasileira onde se repartiu altas doses de talento, carisma e grande conhecimento da história da nossa música.
Por duas manhãs inteiras pude participar ativamente da oficina, rir e chorar, cantar e conversar com Antonio e seus músicos. Lula,na sanfona; Gabriel, na bateria; Pitoco no sax, clarinete; e Edmilson, no violão e cavaquinho. Antonio com voz, violino, bandolin, violão e a dança. Tudo e todos na mesma empreitada: explicar os fundamentos da musica brasileira, contar um pouco da sua formação, tocar e cantar o mais emblemático dela. Coisa mais linda, meu Deus!
Eu, como Nóbrega, sou de Recife, Pernambuco. Só de ouvir um Baião, um Xote…um Frevo rasgado, meu coração dá cambalhotas. Agora imagine ouvir essas músicas tocadas em seu violino, interpretadas por suas mãos mágicas e acompanhadas por movimentos de dança que só ele sabe fazer. Não é que outros não possam reproduzir seus passos. Mas é que a forma como ele dança é só sua.
Como a gente reconhece o andar de Chaplin, a gente reconhece a postura de Antonio Nóbrega quando ele toca, canta e dança. Ele não apenas dança…ele flutua.
Só ele faz como ele. Antonio é único.
Um amigo espanhol disse que ele é capaz de dançar sobre uma moeda, referindo-se ao pouco espaço que o artista tinha no palco para mover-se e a beleza com que o fazia, apesar dos limites.
Por sinal, meu amigo também disse que se Antonio dançasse e cantasse pelo mundo a fora, poderia não terminar com a fome, mas com certeza acabaria com toda a tristeza. Eu concordo. Ele é de uma alegria contagiante.
Entretanto, para mim, também estimula a nostalgia, a emoção reflexiva… e a saudade, pois traz em sua bagagem artística obras de antigos compositores e as músicas que os fizeram imortais.

Ele tem uma marca registrada: seus chapéus. Desde que eu me lembro, e fazem muitos anos, ele se apresenta de chapéu. As calças são frouxas e ele dedica um tempo a levantá-las com as mãos, numa forma a mais de compor seu estilo.
Cada movimento de braços e pernas, de caras e bocas, de saltos e paradas mais um toque nordestino à sua singela figura.
Agora eles estão indo para Barcelona, repetir a dose lá. Dias 9 e 10 de Junho.
E eu fico aqui, com a linda lembrança destes dois dias, a enorme saudade de Pernambuco…e o coração hidratado.
Hoje passei o dia escutando o CD que ganhamos de presente na última visita ao Brasil, 100 Anos de Frevo, e depois já emendei com Luís Gonzaga, Alceu Valença, O Bloco da Saudade…
Ai, ai… saudade. Saudade tão grande…

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Profano

Sofia estranhou aquela consistência. Meteu os dedos na massa e levou-os à boca só para constatar que o gosto também fugia ao comum. O comum era não ter gosto. Entretanto seguira à risca os ensinamentos da mãe.
Padre Rafael apareceu na porta no momento em que ela lambia os dedos. De bermudão. Sofia enrubeceu. ‘Algo errado?’ Perguntou ele se aproximando. Sem esperar resposta, tomou a mão da moça, enfiou-a de novo na massa, lambeu cada um dos seus dedinhos e sentiu o estremecimento do seu corpo. ‘Não se preocupe, filha, estas hóstias ainda não estavam consagradas.’
Leila Silva
Ps. Leila é dona do excelente blog Cadernos da Belgica.

Adoro seus contos.

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Gente…

Sempre tive uma fascinação pelos anônimos, muito mais do que pelos famosos.
Geralmente não sinto curiosidade pelas revistas de assuntos do coração (como chamam aqui as revistas de fofocas), nem gosto de cascavilhar a vida das pessoas que conheço. Isso não significa que não sinta interesse por elas e sim que tenho um grande respeito por suas intimidades. As pessoas só me contam o que querem contar. Gosto de escutá-las quando falam de suas vidas e contam suas histórias, mas nunca faço-lhes perguntas indiscretas sobre o que não desejam comentar.
Com os desconhecidos é diferente.
Sento num banco da estação de trem nas proximidades de Madrid e quase imediatamente me sinto tragada pela vida da gente que me rodeia. Observar as pessoas é algo que me distrai imensamente. E mais agora que vivo fora da cidade.
Pode ser apenas uma mulher que passa com um penteado absurdo ou uma jovem com um vestido apertado sobre uns jeans rasgado equilibrando-se nos saltos, finos como agulhas, dos sapatos cor-de-rosa-choque. Onde vai vestida assim e correndo tanto?

Sinto uma enorme empatia por uma mulher, quase anciã, que lê um livro tão velho quanto ela, cujas páginas amareladas parecem terem estado guardadas numa arca escondida no fundo de um escuro porão. Imagino se é a primeria vez que o lê ou se já leu muitas vezes a mesma história… ou quem sabe apenas tomou-o emprestado de alguma biblioteca empoeirada de um bairro distante e o faz respirar e reviver em suas mãos um tanto trêmulas.

Quero saber mais sobre o músico que toca uma balada conhecida numa esquina fria enquanto os passantes mais sensíveis jogam uma moeda dentro da caixa de seu instrumento, ou sobre um mendigo que passa falando sozinho empurrando um carrinho de supermercado cheio de objetos escondidos atrás de um cobertor… ou ainda sobre um sujeito com cara de professor que está sentando num banco da praça com os olhos cheios de lágrimas…
Ah! como me impressionam as lágrimas do anônimo sujeito!
E sigo eu perdida, por um tempo incontável, imaginando histórias para suas vidas, de onde vêm, para onde vão, quem são seus seres queridos, como ocupam seus dias e noites.
Outro dia foi assim…tanto viajei na imaginação e me deslumbrei com ela que tive que sair correndo para não perder o trem. No banco deixei o livro que levava, sem abri-lo sequer. Outra novela de Marcela Serrano, dedicada e assinada pela autora. Faltava-me ler apenas dez ou quinze páginas para terminá-lo.
Ainda pude avistá-lo de longe, abandonado no banco da estação, enquanto o trem se afastava lentamente. Era impossível abrir a porta e descer. Precisava esperar a seguinte estação e voltar em outro trem para tentar recuperá-lo. Um tempo demasiado longo. Possivelmente ele não mais estivesse ali. Era noite e eu estava voltando para casa. Voltar podia significar mais de uma hora de atraso. Deixei-o ali. Triste e calada segui meu rumo.
Imaginei quem iria encontrá-lo, quem teria coragem de ficar com ele. Na capa, um copo que cai e espalha um líquido rubro sobre um tudo que não se vê..
O título? Para que não me olvides.
Sorri com o inusitado do acontecido. Um livro esquecido numa estação de trem, que sussurra para quem passa : Para que não me esqueças…

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A Solidão é fera… a Solidão devora…

Onde está Deus, ainda que ele não exista?
Quero rezar e chorar, arrepender-me de crimes que não cometi, desfrutar de ser perdoado por uma carícia não propriamente maternal. Um regaço para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso como uma noite de verão, e ainda assim próximo, quente, feminino, ao lado de qualquer fogo…Poder chorar ali coisas impensáveis, faltas que não sei quais são, ternuras de coisas inexistentes, e grande dúvidas crispadas de não sei que futuro…Uma infância nova, uma ama velha outra vez e uma cama pequena onde acabe por dormir, entre contos que embalam, mal ouvidos, com uma atenção que se põe frouxa, de raios que penetravam em jovens cabelos dourados como o trigo… E tudo isso muito grande, muito eterno, definitivo para sempre, da estatura única de Deus, mais além do fundo triste e sonolento da realidade última das coisas…Um regaço ou um berço ou um braço quente ao redor de meu pescoço…Uma voz que canta baixo e parece querer fazer-me chorar… O ruído das chamas no lar…Um calor no inverno…Um extravío suave de minha consciência… E depois, sem ruído, um sonho tranquilo em um espaço enorme, com a lua rodando entre estrelas…
Quando ponho em um canto, com um cuidado pleno de carinho – com vontade de dar-lhes beijos – meus brinquedos, as palavras, as imagens, as frases – e fico tão pequeno e tão inofensivo, tão só em um quarto tão grande e tão triste, tão profundamente triste! Depois de tudo, quem sou eu quando não brinco? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações, tiritando de frio nas esquinas da Realidade, tendo que dormir nos degraus da Tristeza e que comer o pão doado pela Fantasia. De um pai sei o nome; me disseram que se chama Deus, mas o nome não me dá idéia de nada. As vezes, de noite, quando me sento sozinho, o chamo e choro, e me faço uma idéia de um ele a quem possa amar…Mas depois penso que não o conheço, que talvez não seja assim, que talvez não seja nunca esse pai de minha alma… Quando terminará tudo isto, estas ruas por onde arrasto minha miséria, e estes degraus onde encolho meu frio e sinto as mãos da noite entre meus farrapos? Se um dia viesse Deus a buscar-me e me levasse a sua casa e me desse calor e afeto… Mas o vento se arrasta pela rua e as folhas caem sobre a calçada…Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm nenhum sentido… E de tudo isto apenas fico eu, um pobre menino abandonado… Tenho muito frio. Estou tão cansado em meu abandono! Vai buscar, oh vento, minha Mãe. Leva-me pela Noite à casa que não cheguei a conhecer…Volta a dar-me, oh Silêncio, minha alma e meu berço e a canção com que dormia.”

Bernardo Soares, em O LIVRO DO DESASSOSSEGO.

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Que soco no estômago! Que dor! Fiquei querendo ser mãe desta criatura, ser sua deusa,seu colo…
Então recordo que minha filha escreveu assim: “Mãe, tu és a melhor invenção do universo!”
E eu agradeci por ter podido ser, pelo menos em parte, o que ela precisava.
Obrigada, minha linda. Você também é minha deusa, meu regaço imenso, minha estrela mais brilhante, minha canção de ninar, minha alegria…
Update:
Amigos blogueiros avisaram-me que o texto não faz parte dos escritos de Fernando Pessoa, nem de seus heterônimos. Bem que procurei nos meus livros e não achei nada.
Ainda não entendi como pode uma pessoa escrever um texto tão bom e não assumir sua autoria! Se alguém souber a quem pertence, por favor avise-me.
Obrigada a Manoel Carlos e Meg.
Update feliz: Meus queridos amigos, o texto é MESMO de Fernando Pessoa. É com imenso prazer que ponho de volta sua assinatura embaixo do fragmento do texto publicado.
Obrigada a Luis Madureyra e Bill.

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“Travesuras de la Niña Mala”…

de Mario Vargas Llosa
Estou lendo a novela. E estou absolutamente “atrapada” pela história.
A linguagem é fluida, rápida, natural. A descrição dos fatos de épocas convulsas em Paris, Lima, Londres, Tokyo ou Madri, mesclada com a construção detalhada dos dois personagens principais, entrelaçados numa relação de afeto apesar da contraposição de seus valores de vida e as histórias paralelas que se desenvolvem em torno desta relação, fazem da novela um entretenimento inquietante!
Avançar em seus capítulos nunca é prazeiroso, porque ainda não me explico muito bem (talvez nunca o consiga) como funcionam esses amores dolorosos, ambora já tenha vivido e me perdido dentro de um deles. Quem já não viveu?
(Paguei caro, mas superei. E estou aqui vivinha para contar, ou esquecer para sempre, a história.)
Talvez justo por isso Travessuras de uma menina má, traduzindo o título para o Português, é um livro fascinante para mim. Como mulher e como psicóloga.
Me vejo parando uma tarefa no meio do dia e buscando o livro só para tentar avançar mais um pouco. Quem sabe só para terminar de vez com ele, para livrar-me dos incômodos sentimentos que afloram…
E cada vez mais a imaginação do autor tem me surpreendido, revelando novas nuances da personalidade de suas criaturas, alargando o tempo, criando novas circustâncias, aprofundando o mergulho numa corredeira de tramas e me levando junto com a história.

A novela tem 375 páginas e eu estou aí pela 270, justo quando se descobre que ela inventou outra ela porque não podia suportar viver com o ela que de verdade ela era…
( Nada a ver com O Mundo de Sofia, onde quem inventou a outra foi outra pessoa, no caso, o pai da criatura. Lembram? Acho que foi isso. Sim! Sim! Outra boa novela para se ler. Anote aí! )
Pois sim…
Ainda há muito o que desvelar destas Travessuras… E ainda não sei a volta que isso vai dar.Vargas Llosa é bamba! Todo mundo sabe disso.
A crítica diz assim: ” Criando um admirável tensão entre o cômico e o trágico, Mario Vargas Llosa brinca com a realidade e a ficção para liberar uma história em que o amor se mostra indefinível, dono de mil caras, como a “niña mala”. Paixão e distância, azar e destino, dor e prazer… Qual é o verdadeiro rosto do amor?”
Tomara eu descubra o deles, ao final das 375 páginas…

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E Haja Saudade…

De vez em quando o Brasil se esquece – ou finge que esquece – que anda enfermo, ferido, magoado, perdido de sonhos e esperanças e me envia ventos perfumados, brisas sonoras, beijos com gosto de caldo de cana gelado.

Amigos me presenteiam com seus poemas, romances, músicas, notícias sem siglas, sem sangue, sem vergonhas e humilhações… só saudades em cartas escritas a mão, como antigamente, com direito a envelope e selo carimbado…
É mel direto no coração!
Eu deixo que me mimem.
As dores e medos já vem sozinhos, em largas golfadas de enxofre expelidas pelos noticiários, internet, jornais e televisão. Delas, nem aqui no meu monte de coelhos e raposas, eu escapo.
Desde que morri e renasci, entretanto, deixo que – apesar de tudo, seja o que for esse tudo – me mimem.

Pois sim…
Desta vez a dose de mel foi grande demais. Uma amiga brasileira, que vive há muitos anos em Madrid e que eu só descobri por acaso no ano passado, deu-nos convites para a estréia de um filme. “Vinicius de Moraes: Quem Pagará o Enterro e as Flores Se Eu Me Morrer de Amores”, de Miguel Faria Jr.

Fui.
Borboletinhas fazendo “fruf-fruf” na boca do estômago…

Sentada numa das poltronas do clássico Cine Avenida, na Gran Via, meu coração derretido cantava em silêncio cada canção de Vinícius, meus olhos úmidos comiam cada paisagem do Rio de Janeiro, meus ouvidos guardavam cada depoimento de seus amigos, parceiros, parentes, – ai, Chico…meus sais! Vem sorrir lindo assim aqui, vem! – minha alma reconhecia cada poema declamado.
A cada lembrança, uma saudade dos tempos… deles e meus.
Vinícius foi meu primeiro poeta. Cresci com seus livros agarrados no peito e sabia muitos dos seus poemas de memória. Cantei todas as suas músicas, por toda a minha vida…
Amei para sempre, antes de saber que o para sempre, sempre acaba. Mas aprendi também que o amor vivido, se foi amor, não morre, só adormece. A gente guarda ele ali, num cantinho da memória. Ele desencarna… mas não desaparece. Amores vividos jamais a gente esquece. E isso deve ser a eternidade…
Em um 9 de julho chorei sua morte como a de um amigo querido. Depois, passei um tempo sem poder ouvi-lo ou ler a sua obra. Dava um nó no meio do estômago e a melancolia enchia minha alma.
Aos poucos a dor foi dando lugar a uma linda e gostosa nostalgia… até que nunca mais se separou delas.
Hoje, quando leio ou escuto Vinícius, sinto mais do que um simples admiração pela sua obra. Sua poesia e sua música estão irremediavelmente entramadas com minha vida, desde a infância.

Elas provocam-me sentimentos mais íntimos, como se soubessem e dissessem muitas coisas de mim.
Faz-me sentir esse leve rufar de asas de mariposa no coração, respirar um perfume de adolescência que se espalha pelo ar, junto com vagos traços de rostos de antigos namorados, nomes e caras de amigos perdidos pelo tempo, casas, árvores, praias, assobios de meu pai e seu jeito de lorde… mares mansos e verdes… os sorrisos lindos da minha mãe e seus ares de menina e princesa!
Um tudo de cor e alegria invade minha alma e minha cara vira “tela de cinema”.
Se algum-alguém tivesse a capacidade ou o dom para assistir meu filme, veria que belas imagens…

Mas não… parece que ele passa só pelo lado de dentro.
É por isso que eu venho aqui e escrevo.
………………………………….

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal…
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto…
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo…
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançara um punhado de sal
Na minha cova de cimento?

Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada…
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

Vinícius de Moraes
Rio, 1950
……………………………………………
Ninguém, meu velho e querido amigo.
Mas prometo não deixar-lhe morrer…

Ensinarei suas músicas aos meus filhos e netos, escutaremos juntos pelas madrugadas, presentearei seus livros aos amigos, e com eles rememorarei seus poemas em noites de grandes luas.
Estreitarei você no peito até o infinito.

…eternamente sua enamorada.

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Volver…

Elas estão de volta. As mulheres de Almodóvar.
E o público agradece.
Não sei quando passará no Brasil, mas aqui já estreou e eu fui – com muito gosto – entregar-me a Volver
O novo filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar, um “homem de la mancha”, é um banho de luz e cores, de força e vitalidade femininas.
Esse é seu mais profícuo território. E ele sabe.
Como um Don Quixote moderno, Pedro desvela, recria, desperta – em cada personagem – as Dulcinéias que existem dentro das muitas Aldonzas que a vida maltrata.
Volver é uma história de repetidas histórias. Daquelas que a gente sabe acontecer com frequência nas sociedades do primeiro, terceiro ou quinto mundo. Mãe, filhas e neta que recebem porradas do mundo masculino e ainda assim são capazes de sobreviver e dar a volta por cima. São vítimas e algozes. Anjos e demônios. Amáveis e duras. Mulheres fortes e frágeis ao mesmo tempo. Mulheres divertidas e trágicas. Capazes de revelar a beleza do amor, da solidariedade e da cumplicidade apesar de condições extremas e complexas.
E quando se unem, seja nos risos e cantos, seja nas dores e misérias, transbordam.
Volver é isso. Um transbordamento. Verdades e mentiras, segredos e revelações se mesclam num jogo de cenas reais e surreais, retratadas com um talento espetacular.
Pedro consegue explorar temas importantes como a violência doméstica e de gênero, a enfermidade e a morte com uma crua leveza que sempre surpreende.

O filme é um prazer do início ao fim.
Penélope Cruz está linda, madura, envolvente. Uma mulher de carne e osso, bela por seus predicados mas também por suas imperfeições. Lembra, em alguns momentos la Loren.
Yohana Colbo faz de filha. É a nova chica -Almodóvar. Eu ainda não a conhecia, mas já tem um sólido currículum na cinematografia espanhola.
Carmem Maura ( desessete anos sem filmar com Almodóvar) dá um show de interpretação como a mãe que “volta do além”.
Lola Dueñas ( Rosa, de Mar Adentro) é uma das minhas atrizes espanholas preferidas e também está perfeita no personagem da irmã que eu queria ter.
E Blanca Portilho, que está magnífica no papel da vizinha de toda a vida. Uma vizinha como as que a gente precisaria nos momentos difíceis! Daquelas de pueblo pequeno. A que cuida, a que sabe das coisas, que tem a chave da nossa casa e das histórias que circulam através dos tempos, nossas ou de outros…
Volver é isso. Uma das muitas história que se pode contar sobre a história das mulheres, em todos os tempos e todos os cantos do planeta.
Acontecimentos mais explícitos em alguns, mais obscuros e escondidos em outros, mais reais ou surreais, porém presentes nos quatro cantos do mundo!
Volver não é comédia nem drama, embora seja um tanto de ambos. Tem a porção e a medida exata dos dois. Como as mulheres.
Como a vida e a morte.

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La Vida Secreta de las Palabras…

De vez em quando me deparo com uma obra de arte especial. Sólida. Essa é uma delas.
E que prazer eu sinto quando tenho o privilégio de desfrutar de uma bela criação artística, seja um conto, uma novela, uma música, uma pintura, um filme.
Eu permaneço dias embevecida, encantada, pensativa. Fico com vontade de conhecer o artista, conversar com ele, discutir o impacto de sua obra em mim. Saber mais sobre a relação entre meus sentimentos e emoções e os seus. Queria ficar amigo!
Assim eu sou… Já pensou que atrevida?
Pois sim.
Mas fico quieta aqui. Nem sequer sou daquelas fãs que vão atrás de autógrafos ou fazem plantão na porta dos aeroportos e hotéis para ver de longe seus ídolos.
Creio que não tenho ídolos. Gosto das obras. E também de alguns dos artistas, mas só como seus criadores. Não os idolatro. Nunca. Mas amiga eu queria ser. Só isso. Poder fazer parte do círculo íntimo que janta junto e conversa sobre os livros, as peças, as músicas… enfim.
Deixa eu voltar para o tema do post.

Esse filme. Precisava dizer aqui que o vi. Que me encantou. Que me impactou.
Não sei se ele já está rolando pelo mundo ou ainda está por aqui pela Espanha. Pois apesar de ter recebido 4 Prêmios Goya por melhor filme, melhor direção, melhor roteiro e melhor direção de produção… a própria academia espanhola não o indicou para o Oscar. Vá entender essa gente. Indicaram outro que nem eles mesmos premiaram. Queriam agradar alguém??
Uma trama simples, bons atores, ( Tim Robbins , Sarah Polley e Javier Cámara ) excelente roteiro e uma diretora (Isabel Coixet) sensível e talentosa. A mistura perfeita para um filme sair do jeito que eu gosto. La Vida Secreta de Las Palabras cala fundo na alma.
Um filme que fala da vida e das histórias que estão guardadas dentro dos grandes silêncios e que precisam desesperadamente de um outro, um íntimo e ao mesmo tempo distante outro a quem desvelar-se numa avalanche de palavras repletas de sentimentos.
Coixet consegue extrair toda a beleza contida num cenário tão inóspito e solitário como o de uma plataforma petrolífera recortada contra o horizonte do mar da Irlanda, seus poucos habitantes, um ganso, vinte e cinco milhões de ondas que passam e o encontro entre Hanna e Josef. Ele como acidentado e cego temporalmente, ela como sua enfermeira. Sarah e Tim estão fenomenais!
Uma pequena história, com grandes significados, contada com a humildade que está sempre presente na verdadeira genialidade.
Acho que ainda se vai ouvir muito falar dessa moça. Anotem aí. Isabel Coixet.

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Calima e Outras Generalidades…


Uma crise de coluna ( que novidade é essa? ) me deixou entrevada como uma velha árvore. Qualquer movimento gerava uma forte dor e um gemido à altura. Assim, nada de sentar diante do computador, nada de responder e-mails nem ler blogs. De vez em quando o vício blogueiro me exigia experimentar, mas eu não aguentava mais de duas visitas. E meu computador é um “Lentium”, como diz o meu irmão. Não dava para aguentar as looongas esperas também.
Sonhei que ele escrevia ao som de minha voz! Quem dera!
Agora , que já estou melhor, admito que estava um tanto assustada com a nova experiência. Ter o corpo limitado em seus movimentos, com dificuldades para vestir e desvestir, tomar banho, virar na cama, etc. foi aterrador!
A gente não sabe o valor que é ter autonomia para tomar conta de si mesma até que se vê precisando de uma mão mesmo para o mais simples como, por exemplo, levantar do sofá. Ainda bem que tive duas belas e cálidas mãos para ajudar-me. Hum!
Mas confesso que o medo ainda não passou! Nem a dor completamente. Estou rodeada de almofadas mas o vício ganhou a parada hoje!
………………………………………
Quanto ao dia de San Valentin, aqui em casa o evento passou em brancas nuvens. Aliás, cinzentas nuvens! Madrid está coberta de calima. Isso significa uma bolsa de poeira suspensa sobre a cidade. Uma mistura de areia que vem do Sahara com partículas de poluição e névoa. A mistura dá a sensação de que a gente não deveria estar ali respirando, entenderam?
Pois sim… aqui no monte havia só a névoa com areia, mas somada com a dor no corpo me deixaram num baixo astral incrível. Assim, não tivemos vontade de sair nem de preparar nada para comemorar o dia. Fica para outra vez. Por sinal, teremos uma segunda oportunidade no dia 12 de junho.
Brasileiros tem duas datas não é? Eu aproveito TODAS!

Eu tinha até escolhido um vestidinho bem discreto, baseado na roupa eleita pela Ministra de Cultura para acudir à entrega do Prêmio Goya, mês passado. Perfeito para o dia de San Valentin, mas… infelizmente não deu.
A estilista desta “coisa linda e clássica” chama-se Ágata Ruiz de la Prada e sua linha vai de roupa íntima a perfumes, roupas de cama, mesa, banho e até mesmo roupa masculina. Cada coisa!
Sua marca registrada é o jogo de cores fortes, laçarotes e corações. E o preço? Nada barato, claro! Vender nome sempre é muito mais caro que vender a roupinha. Choca não?
Pois é. Agora diz que dinheiro compra bom gosto! Ho Ho Ho!

“Babar” de alegria foi começar outra pequena coleção de arte, desta vez de pintura contemporânea, pelo preço de um café com churros. Picasso veio grátis junto com o jornal El Mundo, mas vamos ter Balthus, Rodin, Miró, Klint, Munch, Magritte, Hopper, Matisse, Dalí, Chagall e muitos outros. Vai ser perfeito completar aquela coleção que fizemos o ano passado com os pintores clássicos lembram?

Aproveitando ainda a baba pelos livros…
Estou abobalhada com a beleza dos poemas de Pablo Neruda que eu ainda não conhecia, mas que graças a outra das maravilhas que é viver num país que facilita ao povo o acesso à boa literatura, estou tendo o prazer de conhecer e desfrutar.
Estamos fazendo uma coleção, publicada pela RBA com a colaboração do Instituto Cervantes. Chama-se Obras Completas de Grandes Autores de la Lengua Espanhola. Por dois euros, o primeiro volume de Borges e o de Lorca.
Saiu a um euro cada tomo! Depois chegaram também Neruda e Cortázar, por três euros!
Deu para entender o que significa promover o acesso a literatura?
E estou falando de Obras Completas!
Ufff… estou ficando louca com tanta oferta! A editora da coleção avisou que chegaria aos 12 euros por tomo mais adiante. Mas mesmo assim vale a pena! É muitíssimo barato!
O negócio era incentivar a compra no início e aos poucos ir chegando a um preço razoável para ambos, cliente e empresário.
Acaba de chegar Alejo Carpentier. Ui, meu Deus!
Além de ser uma coleção para manusear e ler JÁ, acho que também será um grande presente para os filhos e futuros netos que apreciem uma boa leitura.
Heim?! Que boa herança deixaremos não? Já dissemos aos meninos que além das terras (a areia dos vasos de plantas) que são muitas, deixaremos uma biblioteca saborosíssima!
Esperamos que desfrutem!
Ps: Marília pediu-me para escrever sobre as minhas manias. Vou tentar, querida! Talvez seja mais fácil que o currículum que nunca terminei.

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Acho que Não Sei…


<< Um dia nasceu em sua alma o desejo de modelar a estátua do “Prazer que dura um instante”. E partiu pelo mundo para buscar o bronze, pois só em bronze imaginava conceber suas obras.
Mas o bronze do mundo inteiro havia desaparecido e em nenhuma parte da terra podia encontrar-se, exceto o bronze da estátua da “Dor que se sofre toda a vida”.

E era ele mesmo com suas próprias mãos quem havia modelado essa estátua, colocando-a sobre a tumba do único ser que amou em sua vida.
Sobre a tumba do ser amado colocou aquela estátua que era sua criação, para que fosse mostra do amor do homem que não morre nunca e como símbolo da dor do homem, que a sofre por toda a vida.
E no mundo inteiro não havia mais bronze que o daquela estátua.
Então, pegou a estátua que havia criado, colocou-a em um grande forno e entregou-a ao fogo.
E com o bronze da estátua da “Dor que se sofre por toda a vida” modelou a estátua do “Prazer que dura um instante”.>>
Poesia em prosa de Oscar Wilde

Esse texto é para quem vive intensamente o aqui e agora. Mas também para os que compreendem o que significa reviver as antigas emoções com força quando escutam uma música, relêem uma carta, revisam um velha caixa de fotografias.
Minha filha acaba de chegar do Brasil. Trouxe-me antigas vidas minhas nos pratos que foram da Princesa, livros cheios de pequenos bilhetes, riscos no ar de histórias que não lembrava mais que eram minhas… e fotos. Muitas fotos. Todas as fotos que sobreviveram aos anos…
Imaginem a bagunça no meu coração!

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Crepuscular…

Pegou o chápeu, embrulhou o sol, então nunca mais amanheceu.
Menalton Braff

Em:Os cem menores contos brasileiros do século.
Organização: Marcelino Freire
Copy and Paste from Et Alors

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Enquanto Janeiro Passa…

Hoje o velho espírito Shirley Valentine baixou com tudo que tinha direito. Passei a manhã conversando com as paredes da casa. Fiz perguntas ao wok chinês. Antes era ao I Ching. Agora é ao wok. Ho ho ho!
Ah! os tempos! Gargalhei alto com a porcaria de verduras que fiz. Só tinha gosto de gengibre. E sal. Desisti de cozinhar por enquanto. Minha competência na cozinha está intimamente relacionada com o meu estado de espírito. Quando estou assim-assim sai tudo mal. Quando estou bem a possibilidade de acertar é bastante maior.
Queria uma amiga brasileira por perto para consultar o I Ching como antigamente. Sozinha é meio sem graça.
Pendurei o mp3 no pescoço e saí por entre os pinheiros. Fazia um frio de entorpecer, mas estava bom.
Depois da ducha aproximei-me da janela e afastei as cortinas… por trás dos cristais vi as colinas brancas de neve. Queria mesmo era afastar as colinas e ver o mar. Aliás, queria afastar o mar e ver além do horizonte. Ver além desta raia em que corro meus dias, meus anos, minha vida.
Maldita tpm menopausica!
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Pus Mozart no meio da manhã, muito alto. Presente meu para os coelhos e perdizes que habitam as redondezas. Mozart faria duzentos e cinquenta anos em 2006 se estivesse vivo. Todo o mundo musical está lembrando o grande gênio.
Eu não fui compositora, nem artista, nem ativista política, nem pintora. Eu não fui nada importante, ninguém me recordará duzentos e cinquenta anos depois de meu nascimento.
O que poderiam falar sobre mim se eu desaparecesse hoje? Em mais quantos anos alguém ainda saberia quem eu fui ? O que diriam? Que fui boa mãe, boa filha, boa amiga, boa amante? Não fui. Nem sempre, eu sei. Não. Não por isso. Que eu gostava muitíssimo de música, de vinho tinto e de comidas preparadas com creme-de-leite? Que amei muitas vezes, a maioria errado, que morri uma ou outra vezinha antes de morrer de verdade? Que eu gostava de banhos de chuva ou que eu tinha um baobá que vivia no Poço da Panela e ninguém sabia que ele era meu, somente ele e eu? Que eu tinha cadernos de textos e poesias que se perderam nas enchentes do rio Capibaribe e que meu pai tinha jeito de Lorde mesmo quando chorava a perda dos livros que o rio lia?
Ninguém vai saber nada de mim. Depois de alguns poucos anos de minha morte serei de novo pó de estrelas.
Também isso não é importante.
Voltei para a sala, minha raia, meu momento. Melhor fechar a cortina e mergulhar no livro. A gente se esquece um tanto da gente quando viaja no que lê.
Aqui vão duas dicas deliciosas para o inverno, leia se possível na rede, próximo à lareira, sentindo o cheiro de madeira queimada misturado com perfume de pinheiros, frio e café. Se estiver em pleno verão deixe os livros embaixo da cama e vá ver o mar… por favor.
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O primeiro é A Ponte de Alcântara, de Frank Baer. Uma novela histórica muito maravilhosa, cuja trama desenrola-se no século XI ( entre os anos 1063 y 1086) e que nos leva para dentro dos mundos árabe, judeu e cristão, simultaneamente existentes da Península Ibérica da época, através de três personagens principais: um moço cavaleiro à serviço do mundo cristão, um médico judeu e um poeta árabe.
As descrições dos lugares, dos costumes, dos dramas que se desenvolvem me inunda a mente de cheiros, sensações, ruídos, e não são poucas as vezes que eu os levo para os sonhos que tenho durante à noite, onde posso encontrar-me num castelo ou em um madjlis árabe ou até mesmo conversando com um hakin judeu. Por sinal estou absolutamente atrapada pelo livro.
Aprendendo muito! Delícia de leitura!
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O segundo é uma biografia extremamente bem escrita sobre Jesus de Nazaret. Armand Puig é doutor em ciências bíblicas, professor de Novo Testamento na Faculdade de Cataluña, presbítero da arquidiocese de Tarragona de onde dirige o Instituto Superior de Ciências Religiosas, entre outras atribuições.
O livro é uma referência importante para crentes e não crentes interessados em saber mais sobre esta controvertida figura da história da cultura ocidental.
Puig escreve de uma forma leve e simples, apelando sempre para o rigor histórico. Utiliza os quatro evangelhos canônicos, aprovados pela Igreja e os denominados evangelhos apócrifos, ademais de outros escritos “civis e extra eclesiásticos” ( fontes judias e islâmicas, e fontes históricas como Flavio Josefo ou alguns escritores romanos ) além de remeter também a autores reconhecidos e consolidados como E.P.Sanders, M. Hengel ou G. Theissen.
A obra se reparte em três grandes núcleos: o perfil humano; a mensagem; e a conclusão.
Ainda estou no comecinho. Mas não queria esperar para indicar porque sei que nele ainda vou demorar. É um livro para se ler com calma, sem pressa. Mas falei dele para o Zadig e ele ficou interessado.
Então tá.
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Outro dia li nos blogs da Leila e do Milton Ribeiro posts que falavam de um bucólico jogo do curriculum vitae.
Taí, vou tentar escrever um. Espero conseguir explorar a minha memória e extrair dela um currículum que se preze.
Au revoir.

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Um Toque Gitano…


Estou enamorada pelo Flamenco. Outra vez.
A primeira foi pela guitarra de Paco de Lucía. A segunda pela música de Manuel de Falla. A terceira pela de Vicente Amigo.
E, pelo que vejo, vou enamorar-me ainda muitas vezes.
Tomara. Este estado me encanta porque fico totalmente voltada para o objeto de minha paixão.

Estou já na quarta vez.
E o motivo é o filme de Jaime Chávarri sobre um dos mais famosos cantores de Flamenco da Espanha, Camarón de la Isla.
Adorei.
O Flamenco é uma mescla do canto andaluz, lá pelos idos do século XV, de grande influência árabe, com os ritmos trazidos pelos ciganos. Por aqueles tempos a música era cantada “a cappela”, acompanhada apenas por palmas. Só muito depois entraram as danças, as guitarras e os sapateados.
A historia do flamenco é linda. Não tinha qualquer ideia das muitas variações de estilo que possui. Nem me atrevo a escrever sobre elas, pois ainda estou aprendendo, pouco a pouco, a entendê-las.
Assistir o filme me animou a escutar mais, ler e perguntar mais… e o mais importante, a gostar muitíssimo mais!

Camarón foi um duende do Flamenco.
É considerado até hoje uma das mais extraordinárias figuras artísticas da Espanha e desse estilo musical.
Ele inovou tanto na forma de cantar quanto nos acompanhamentos que intruduziu em suas apresentações e gravações, junto com os guitarristas Paco de Lucía e Tomatito, incorporando instrumentos como a flauta, o piano, as caixas acústicas.
Sua presença no tablado impressionava a audiência e ele conquistou o respeito internacional dos aficionados ao Flamenco. Inclusive foi convidado a gravar com a Orquestra Filarmônica de Londres, um fato inusitado para um músico gitano.

O filme é uma biografia em ficção de sua vida e sua arte, com um ator – Óscar Jaenada – especialmente iluminado para o papel.
Segundo os que conheciam Camarón ( sua mulher, filhos e amigos próximos ) ele está perfeito para o papel e quando abre a boca para o canto em playback, parece ressuscitar o amigo, o pai, o marido.
Se eu me emocionei, imagino eles!

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Questão de Mulheres…Ou de Justiça…

Ela nasceu em 1532 em Cremona, no ducado de Milão, na Itália. Recebeu um nome espetacular, mesmo para a época: Sofonisba Anguissola.

Forte, não é?
Uma mulher com um nome desses não podia passar pela vida sem deixar uma marca indelével e ela não fez por menos. Foi uma excelente e bem sucedida pintora, autora de obras admiradas por reis, rainhas, papas, nobres, além de outros artistas conceituados de sua época.
Apesar do sucesso de suas pinturas, Anguissola nunca foi paga por qualquer de suas obras, nem mesmo por aquelas que eram fruto de encargos importantes, tanto da nobreza quando da Igreja Católica, por certo os melhores clientes. Pagar-lhe não seria “bem visto” pela sociedade, então a artista recebia caros presentes ou regalias para si e sua família. Assim, jamais foi considerada uma profissional da arte e quase não existem registros de suas obras.
Eu nunca havia ouvido falar dela. E vocês?
Morreu jovem? Pintou pouco?
Nada disso. Anguissola teve uma vida larga e produtiva. Pintou até bem perto dos noventa anos. Quase um século de vida, numa época em que a grande maioria das mulheres morria antes dos quarenta.
Então o que aconteceu com seu nome e sua obra?
Simplesmente sumiram nas brumas.

Muitos de seus quadros foram atribuídos a outros artistas ( homens ) e seu nome foi “borrado” da história da pintura do século XVI e XVII e sequer aparece nos famosos compêndios de historiadores e críticos de arte.
E sabem qual o motivo?
Ela era mulher. Ponto e acabou-se.
Como assim uma mulher pintora de sucesso?
Não se podia admitir talento, inteligência, criatividade às mulheres! Se nem alma possuíam!
Tcs…tcs…
Sofonisba Anguissola foi apenas mais uma das muitas mulheres que se rebelaram contra esse estigma. Mas foi uma das que não apenas lutou. Ela venceu. Por quase um século!
Esquecida por que? Depois de morta, absolutamente ninguém lutou por ela? Inclusive seus quadros foram atribuídos a importantes artistas como Rubens e Tiziano!
Que injusto! Por falta de talento não foi!
Pois sim…. Esquecida e pronto. E isso aconteceu com quase todas as outras.
Pintoras, poetas, escritoras, dramaturgas…foram muitas. Muito mais do que sabemos ou podemos imaginar.
Apesar de mulheres, elas encontraram – de alguma forma – a saída para expressar seu talento. Umas através dos claustros das congregações religiosas, outras apoiando-se em pais, irmãos ou maridos que as incentivavam mesmo em contra às regras vigentes. Mas a maioria teve que suportar as perseguições, a burla e a humilhação de serem consideradas prostitutas e hereges apenas por saberem ler e escrever, fazer versos, música ou teatro. E bem ! Grandes mulheres!
Entretanto, com sucesso ou sem ele, mesmo conseguindo suportar tudo isso em nome de seu talento, foram sumariamente esquecidas depois de suas mortes.
Incômodas mulheres que contrariavam as teorias e leis masculinas?
Pois é sobre isso que eu estou lendo.

Las Olvidadas – Una história de mujeres creadoras, de Ángeles Caso.

Um livro delicioso, cheio de citações de grandes pensadores masculinos sobre as mulheres, segundo eles destinadas à torpeza, ao silêncio e à ignorância. Só para dar dois exemplos:
“A fêmea é como se fosse um macho deforme e a descarga menstrual é sémen, só que impuro: falta-lhe o elemento básico, a alma.” Aristóteles
Heim?!
” Uma mulher é sempre mulher, quer dizer, louca, por muitos esforços que realize para ocultar-lo” Erasmo de Rotterdam
Ho ho ho…não diga!
Mas o livro é também cheio de luz e força que emanam de uma escritora que sabe como contar uma história, situando-a no contexto cultural, político e religioso de cada criatura e seu entorno. Las Olvidadas é um ensaio bem escrito sobre a vida e a obra de algumas dessas extraordinárias mulheres que viveram lutaram e venceram na Europa medieval e moderna, entre os séculos XII e XVII.
O ensaio de Ángeles não só é puro prazer de boa literatura, como também proporciona uma aprendizagem incrível. É um resgate histórico da participação feminina na arte e na literatura no mundo ocidental. Muitíssimo mais ampla do que todos nós pensávamos e apenas recuperada, pouco à pouco, nas últimas duas décadas.
Este livro é para homens e mulheres que apreciam e estimulam o prazer do saber.
Recomendo com gosto!

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